quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Vitorino Nemésio, Dois poemas de Natal

NATAL CHIQUE

Percorro o dia que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na minha pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.




NATAL DAS ILHAS
Natal das Ilhas. Aonde
O prato do trigo novo,
A camélia imaculada,
O gosto no pão do povo?
Olho, já não vejo nada.
Chamo, ninguém me responde.

Natal das Ilhas. Serão
Ilhas de gente sem telha,
Jesus nascido no chão
Sobre alguma colcha velha?

Burra de cigano às palhas,
Vaca com língua de pneu,
Presépio girando em calhas
Como o eléctrico, tu e eu.

Natal das Ilhas. Já brilha
Nas ondas do mar de inverno
O menino bem lembrado,
Que trouxe da sua ilha
O gosto do peixe eterno
Em perdão do seu passado.
      
Vitorino Nemésio, Sapateia Açoriana
      

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