Um belíssimo, poderoso poema e subtil homenagem a Lorca
Autopiedade
Vinte três facas de prata em meu coração.
Vinte três cantos de minha dor.
E eram as três de la tarde.
E eram as três da la tarde.
Vinte três raios em meu coração.
Vinte três vez
es implorei pela morte
de joelhos dobrados.
E eram as três da la tarde.
Vinte três crisóis de magna em meu coração.
Vinte três cascavéis que me odiavam aninhadas em meu peito.
E fui carregado pelos meus pés e mãos de bronze
como as alças de um caixão.
E manchei com gritos os ouvidos de meu irmão
e eram três de la tarde.
Vinte três leões rubros mastigavam meu coração.
Vinte três piranhas nadavam dentro de mim.
Madre minha, madrezita,
vi teus olhos desolados como o céu azul
sobre os ciprestes.
Filho meu,
vi teus olhos assustados e quis afagar teus cabelos,
mas meus braços estavam mortos
e eram as três de la tarde.
Vinte três mil tocandiras em trançados de caranã envolverão meu coração.
Vinte três enxames de vespas ferroaram minha carne.
E bebi um cálice de morfina com água de miragem
e eram três de la tarde.
Porém uma garça branca pousou sobre meu peito
e disse fica.
E as sirenes ganiram,
e mãos cuidaram de mim
como pomba delicada cuida de seu ninho.
Mas na gruta de mármore negro havia números nos olhos do jaguar
e meus sinais vitais gotejavam irritantes por toda a noite
e no meu braço agulhas frias
moldadas com caninos de vampiros
e na minha boca um gosto de alecrim e metal.
Os mortos sentem em sua boca um gosto de alecrim e metal.
Então levantei no terceiro dia
e vi o sol puro e uma banca de jornal,
vi as moças bonitas
e sorri,
mesmo com passos de quem passeia
em um campo minado jardinado com açucenas,
e eram as três de la tarde.
Solivan Brugnara, grande poeta brasileiro contemporâneo
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