segunda-feira, 21 de outubro de 2013

De Solivan Brugnara, grande poeta brasileiro contemporâneo


Um belíssimo, poderoso poema e subtil homenagem a Lorca 

Autopiedade 

Vinte três facas de prata em meu coração.
Vinte três cantos de minha dor.
E eram as três de la tarde. 
E eram as três da la tarde.
Vinte três raios em meu coração. 
Vinte três vez

es implorei pela morte
de joelhos dobrados.
E eram as três da la tarde.
Vinte três crisóis de magna em meu coração.
Vinte três cascavéis que me odiavam aninhadas em meu peito.
E fui carregado pelos meus pés e mãos de bronze
como as alças de um caixão.
E manchei com gritos os ouvidos de meu irmão
e eram três de la tarde.
Vinte três leões rubros mastigavam meu coração.
Vinte três piranhas nadavam dentro de mim.

Madre minha, madrezita,
vi teus olhos desolados como o céu azul
sobre os ciprestes.
Filho meu,
vi teus olhos assustados e quis afagar teus cabelos,
mas meus braços estavam mortos
e eram as três de la tarde.

Vinte três mil tocandiras em trançados de caranã envolverão meu coração.
Vinte três enxames de vespas ferroaram minha carne.
E bebi um cálice de morfina com água de miragem
e eram três de la tarde.                                             
     

Porém uma garça branca pousou sobre meu peito
e disse fica.
E as sirenes ganiram,
e mãos cuidaram de mim
como pomba delicada cuida de seu ninho.
Mas na gruta de mármore negro havia números nos olhos do jaguar
e meus sinais vitais gotejavam irritantes por toda a noite
e no meu braço agulhas frias                                              
moldadas com caninos de vampiros
e na minha boca um gosto de alecrim e metal.
Os mortos sentem em sua boca um gosto de alecrim e metal.
Então levantei no terceiro dia
e vi o sol puro e uma banca de jornal,
vi as moças bonitas
e sorri,
mesmo com passos de quem passeia
em um campo minado jardinado com açucenas,
e eram as três de la tarde.

Solivan Brugnara, grande poeta brasileiro contemporâneo

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