TERÇA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2013
YOU ARE WELCOME TO ELSINORE
Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precípicio
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
in «A Única Real Tradição Viva — Antologia de Poesia Surrealista Portuguesa» (organização de Perfecto E. Cuadrado).
ALEGORIA DO MUNDO NA PASSAGEM DE ARNALDO DE VILLANOVA
Ouro trigo leão e prata e crina
te esperam sob o vaso menstrual
Separarás primeiro a água e a mina
porque a Água não é um mineral
No coágulo te espera areia fina
e sob a areia planta sideral
que ao manto do Rei Verde se combina
porque a Planta não é um vegetal
Ao homem cabe o Ouro de buscá-lo
E a sua cria morta ou imortal
tirá-la-ás do ventre de cavalo
porque o Homem não é um animal
E se o espelho de cobre te fascina
se te aparece o Monstro do Umbral
que à ígnea terra o astro abismo ensina
e nas trevas afunda o Bem e o Mal
Reduz expurga fende e ilumina
e com espada de fogo talha e inclina
porque o Fogo não é o seu sinal
Mário Cesariny, in «Uma Grande Razão — os poemas maiores», ed. Assírio & Alvim.
Deixo aqui a minha homenagem aos 7 anos da morte do poeta Paulo Cesariny. Reconheço que pouco conheço dos trabalhos de Cesariny, mas, pelo que tive curiosidade de ler gostei. Abraço! : )
ResponderEliminarSó uma pequena rectificação, o poeta é Mário e não Paulo. Abraço, Elaine.
ResponderEliminarLamento a minha falta de atenção ao escrever o nome do poeta Mário Cesariny. Grata por fazer a correção. Abraço!
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