segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

de David Mourão Ferreira

NATAL


"Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada."



sábado, 22 de dezembro de 2012

O lago de Powerscourt Garden - Dublim

De G. K. Chesterton » A Child of the snows

A CHILD OF THE SNOWS

THERE is heard a hymn when the panes dim
And never before or again,
When the nights are strong with a darkness long,
And the dark is alive with rain.

Never we know but in sleet and in snow,
The place where the great fires are,
That the midst of the earth is a raging mirth
... And the heart of the earth a star.

And at night we win to the ancient inn
Where the child in the frost is furled,
We follow the feet where all souls meet
At the inn at the end of the world.

The gods lie dead where the leaves lie red,
For the flame of the sun is flown.
The gods lie cold where the leaves lie gold.
And a Child comes forth alone.

G.K. Chesterton

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

de Vitorino Nemésio



Há, precisamente, cento e dez anos (a 19/12/1901), neste tempo de Natal, nascia Vitorino Nemésio, na então Vila da Praia da Vitória.
Aqui fica mais um poema de Natal. Natal das Ilhas
Belíssimo.
 
 
Natal das Ilhas. Aonde                                     
  O prato do trigo novo,
A camélia imaculada,
... O gosto no pão do povo?
Olho, já não vejo nada.
Chamo, ninguém me responde.

Natal das Ilhas. Serão
Ilhas de gente sem telha,
Jesus nascido no chão
Sobre alguma colcha velha?

Burra de cigano às palhas,
Vaca com língua de pneu,
Presépio girando em calhas
Como o eléctrico, tu e eu.

Natal das Ilhas. Já brilha
Nas ondas do mar de inverno
O menino bem lembrado,
Que trouxe da sua ilha
O gosto do peixe eterno
Em perdão do seu passado.
 
in Sapateia Açoriana

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

de Vitorino Nemésio

Natal chique

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado...
Só esse pobre me pareceu Cristo.


Vitorino Nemésio, O pão e a culpa (1955)

Les Fin' Amoureuses

Era escuro (ladino)

Era escuro como la medianoche
quando la luna esclarciendo estava
todo kayado, todo estava em silencio
como la nueve a la escuridad
.
Miseravle porque vienes agora
a recordarme del mal que yo pasi
a recordarme de toda la mi vida
y estas palavras ya le avli.

domingo, 16 de dezembro de 2012

"Starry Night" of Vincent Van Gogh.


de Marco Lucchesi, Prepara atentamente o magistério

[PREPARA ATENTAMENTE O MAGISTÉRIO]

Prepara atentamente o magistério
em fontes, pelicanos e atanores,
e acede cuidadoso ao ministério
com ácidos, solventes e liquores.
Vigia bem teu sublimado império
de líquidas fronteiras, e os amores
de reis e de rainhas, no mistério
de cópulas ardentes e vapores.
Aos poucos se revela no tugúrio,
erguendo o poderoso caduceu,
a fúlgida presença de Mercúrio.
E sob as nuvens químicas do céu,
emerge luminoso o próprio eu.

de Marco Lucchesi

Marco Lucchesi

“A noite é fria”

A noite é fria
e as estrelas
brilham ao longe
é preciso sofrer                                                 
a vastidão
como quem se entrega
ao sacrifício de um deus

passei da insônia
escura
ao candor
da Via-Láctea

são tantas e tão diversas
as formas
de sondar a beleza

o Cão Maior
e a estrela Sirius
a mais brilhante de todo
firmamento

Antares
rival
de Marte sendo outro
seu vermelho quase
tão forte e vivaz

Sagitário
com seu arco
esplendoroso

e as vastas nebulosas

que se adensam
da cauda do Escorpião
aos braços
do arqueiro

a nebulosa da Lagoa
a Trífida a Ferradura
e outras muitas
como a M 55
meu sono químico
se perde no silêncio
em que ressoa a mais profunda paz

e vem

antes que Lúcifer desponte
rompendo a escuridão
com a força de seus raios

antes que Lia
volte a perseguir
com seus latidos
gatos mariposas

hei de voltar sereno
aos braços da manhã

para caçar as formas
da beleza

mais funda e mais severa

sábado, 15 de dezembro de 2012

Poema de Natal de Natália Correia

FALAVAM-ME DE AMOR
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Natália Correia
O Dilúvio e a Pomba
Lisboa, Publicações D. Quixote, 1979

Jesus Infante

The Infant Jesus of Prague
St. John Cantius Parish, Chicago.



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


BIOGRAFIA de S. João da Cruz

São João da Cruz nasceu em 1542 em Fontiveros, província de Ávila, na Espanha. Seus pais se chamavam Gonzalo de Yepes e Catalina Alvarez. Gonzalo pertencia a uma família de posses da cidade de Toledo. Por ter-s...
e casado com uma jovem de classe «inferior» foi deserdado por seus pais e tornou-se tecelão de seda.
Em 1548, a família muda-se para Arévalo. Em 1551 transfere-se para Medina del Campo, onde o futuro reformador do Carmelo estuda numa escola destinada a crianças pobres. Por suas aptidões, torna-se empregado do director do Hospital de Medina del Campo. Entre 1559 a 1563 estuda Humanidades com os Jesuítas.
Ingressou na Ordem dos Carmelitas aos vinte e um anos de idade, em 1563, quando recebe o nome de Frei João de São Matias, em Medina del Campo. Pensa em tornar-se irmão leigo, mas os seus superiores não o permitiram. Entre 1564 e 1568 faz a sua profissão religiosa e estuda em Salamanca. Tendo concluído com êxito os seus estudos teológicos, em 1567 ordena-se sacerdote e celebra a sua Primeira Missa.
Infelizmente, ficou muito desiludido pelo relaxamento da vida monástica em que viviam os conventos carmelitas. Decepcionado, tenta passar para a Ordem dos Cartuxos, ordem muito austera, na qual poderia viver a severidade da vida religiosa à que se sentia chamado. Em setembro de 1567 encontra-se com Santa Teresa, que lhe fala sobre o projecto de estender a Reforma da Ordem Carmelita também aos padres. O jovem de apenas vinte e cinco anos de idade aceitou o desafio. Trocou o nome para João da Cruz. No dia 28 de novembro de 1568, juntamente com Frei António de Jesus Heredia, inicia a Reforma.
O desejo de voltar à mística religiosidade do deserto custou ao santo fundador maus tratos físicos e difamações.
Em 1577 foi preso por oito meses no cárcere de Toledo. Nessas trevas exteriores acendeu-se-lhe a chama de sua poesia espiritual. Padecer e depois morrer era o lema do autor da «Noite Escura da Alma», da «Subida do Monte Carmelo», do «Cântico Espiritual» e da «Chama de Amor Viva».
 
 

Faleceu no convento de Úbeda, aos quarenta e nove anos, no dia 14 de dezembro de 1591, após três meses de sofrimentos atrozes.
A primeira edição das suas obras deu-se em Alcalá, em 1618. No dia 25 de Janeiro de 1675 foi beatificado por Clemente X. Foi canonizado e declarado Doutor da Igreja por Pio XI . Em 1952 foi proclamado «Patrono dos Poetas Espanhóis.
 
NOITE ESCURA

1. Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamadas,
Oh! ditosa ventura!

Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.

2. Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

3. Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

4. Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

5. Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada!
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!

6. Em meu peito florido
Que, inteiro, para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

7. Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava,

8. Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.
 

The Raven by E.A. Poe


FERNANDO PESSOA

(1888-1935)

trad.

O CORVO
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais
É só isso e nada mais.»

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais.
           

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.


Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
«É o vento, e nada mais.»

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
Disse-me o corvo, «Nunca mais».  

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome «Nunca mais».

 Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
Disse o corvo, «Nunca mais».

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele «Nunca mais».

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».  

«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».  

«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».  

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra
Libertar-se-á no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
... nunca mais!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Gaudete!

Antecipando o Natal e o nascimento do Menino, aqui ficam estes videos com a mesma canção.
Alegremo-nos! A Divina Criança vai nascer.




Um blog que apresenta uma belíssima explicação sobre a Árvore de Jessé (em espanhol)

http://ahaba-abulafia.blogspot.com.es/2010/01/el-arbol-de-navidad.html


domingo, 9 de dezembro de 2012

Armand Amar - Araksi Artassouken

                                          
                                       Uma ode aos povos e à fraternidade entre eles.

Georg Trakl


Canções do Rosário

           À Irmã                               


Aonde vais chega o outono e anoitece,                              

...
Veado azul que sob árvores se ouve,
Lago solitário ao anoitecer.

Leve se ouve o voo dos pássaros,
A melancolia sobre os arcos dos teus olhos.
Ouve-se o teu sorriso breve.

Deus arqueou-te as pálpebras.
Estrelas buscam de noite, filha de Sexta-Feira de Paixão,
O arco da tua fronte.

Georg Trakl

Infante das Sete Partidas

 
 
Faz hoje, 9 de Dezembro, anos o infante D. Pedro, o das Sete Partidas, nascido de D. João I e D. Filipa de Lencastre, em 1392. O corpo da sua empresa era a Balança, com a divisa «Désir», desejo-aspiração-amor do Amor, em ramos do áspero carvalho, uma das árvores mais características de Portugal.
Fernando Pessoa cantou-o ou celebrou-o assim na "Mensagem": «Claro no pensar, e claro no sentir, / E claro no querer; / Indiferente ao que há em conseguir / Que seja só obter; / Dúplice dono, sem me dividir, / De dever e de ser».
Culto viajante e diplomata europeu (1425-1428, donde brotou o famoso "Livro do Infante D. Pedro de Portugal que andou as quatro partidas do Mundo", escrito por Gomes de Santo Estêvão), infausto na regência de sete anos de Portugal (ao morrer heroicamente em 1449 na batalha de Alfarrobeira contra seu sobrinho, o rei D. Afonso V), mas na qual respeitou as vozes municipais e apoiou os Descobrimentos, sempre foi sábio e independente, tal como afirmou no conselho reunido para deliberar a ida falhada a Tânger, que não lhe parecia muito adequada: «O principal intento é servir a Deus; peço-vos por mercê que saibais como o deveis fazer, e não como quereis ou podeis».
Tinha por isso também como empresa um rochedo atravessado por uma espada, empunhada por uma mão saindo das nuvens, símbolo da união da sua vontade, na matéria mais densa, com a vontade divina, ou da sua acção e intuição...
Deixou-nos algumas traduções de Cícero e Séneca e escreveu o “Livro da Virtuosa Benfeitoria”, a arte de fazer e viver o bem firmemente, escrevendo na dedicatória a seu irmão e rei D. Duarte: «o sabedor de feitos alheios não tem em costume julgar de ligeiro»... «e assim as nossas vontades sempre fundemos em as perfeições mais altas e maiores das nobres virtudes»....
Os seus conselhos aos governantes (e aos seus mais protegidos) são mais do que nunca actuais: "Um só cuidado devem ter os Príncipes, esguardar em todas suas obras o proveito dos súbditos e esquecer os próprios desejos. Outro mandado é que por tal maneira curem eles o corpo da humanidade, que, em dando saúde a uma parte, não desemparem o todo."...
Ver mais
Terena, Portugal

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Magnificat


                                         8 de Dezembro: Imaculada Conceição de Maria -
                                                              Monteverdi, Magnificat

Rafael

de Rafael

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

G. Moreau

Gustav Moreau (1867): representação de uma Musa inspirando Hesíodo, tal como escreveu este autor no início da sua "Teogonia"

Um poema do poeta persa RUMI



Tradução de Adalberto Alves
in “O Vértice da Noite”
Argusnauta – Nov 2007
.
morri, era eu pedra:
tornei-me planta.
.
fanei-me enquanto flor:
fui animal
.
faleci, era então bicho:
humano me tornei.
.
que hei-de, pois, temer?
serei agora menos, ao morrer?
.
quando minha humanidade perecer
e as asas eu abrir também
entre anjos minha cabeça hei-de erguer.
.
quando meu ser angélico for sacrificado,
serei o que a imaginação já não contém.

(agradeço à Myriam Jubilot de Carvalho ter-se lembrado deste poema e de cujo blog o retirei)


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

The poem of the atoms (do filme Bab'Aziz)

                                                The poem of the atoms - A poem by Rumi




music from Armand Amar
sing Salar Aghili

- a masterpiece - 

A linguagem dos pássaros

Nas diversas tradições, fala-se com frequência de uma linguagem misteriosa denominada "linguagem dos pássaros", que somente os grandes Iluminados controlavam.

Esta designação é evidentemente simbólica, pois a importância atribuída a ela, como prerrogativa de uma alta iniciação, não permite que seja tomada de forma literal. Tanto é, que se lê ainda no Alcorão: "E Salomão foi o herdeiro de Davi; e disse: 'Ó homens, temos sido instruídos na linguagem dos pássaros'".

No sufismo, a língua dos pássaros é a própria língua dos anjos mística. A Linguagem dos Pássaros (Mantiq at-Tair em persa) é um poema místico com 4.647 versos escrito no século 12 pelo poeta Farid ud-Din Attar, um dos grandes luminares sufis.

Um grupo de pássaros desejava encontrar a seu rei; então pediram à poupa sábia (um pássaro com crista em forma de abano) que lhes ajudasse em sua busca. A poupa lhes disse que o rei que estão procurando se chama Simurgh (que significa em persa Trinta Pássaros) e que vive escondido na montanha de Kaf, porém, é uma viagem muito difícil e perigosa.

Os pássaros imploram à poupa que os guie. A poupa aceita e começa a ensinar a cada pássaro de acordo com seu nível e temperamento. Ela lhes diz que para alcançar o alto da montanha, necessitam atravessar cinco vales e dois desertos; quando tiverem passado o segundo deserto, entrarão no palácio do rei. Os de vontade débil, temerosos da viagem, começam a por desculpas...

"O que Attar quer dizer com essa simples conversação? Nós, humanos, temos o desejo de buscar a perfeição, mas muitas vezes tendemos a parar o processo tão logo detectamos o mais ligeiro sinal de progresso. Isto é especialmente certo nos aspirantes ao caminho espiritual: muitos buscadores estão encantados com as primeiras etapas do despertar e o confundem com a completa iluminação.

Attar nos adverte de tais perigos: "Não devemos confundir o amor do imaginário com o amor do Real. Por esta razão, o rouxinol tem de abandonar seu enganoso apego pela rosa para buscar o Eterno Amado".

Obra imperdível para quem deseja conhecer a força e a beleza poética do sufismo.

Hafez

EPITÁFIO DE HAFEZ EM SHIRAZ

 “Recebi, a Deus graças, a boa nova:
Vou reunir-me com meu Amado.
Vou por último abandonar esta gaiola
que tem meu espírito prisioneiro.
Amigo! Amante!
Quando venhas ao meu túmulo, vem embriagado,
de uma bebedeira que nunca decresça,
cheio seu ânimo de um fervor que engrandesse o amor,
a esperança.
Tem presente que a alegria deste mundo é curta,
passará com os anos vividos.
O importante é o que no final ficará,
dessa embriaguez que levas na Alma.”


trad. por Aurélio Buarque de Holanda, do Rubaiyat de Hafez. Livraria José Oympio Editora, RJ 1944.

 Hafez
 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Canção de amor - R.M. Rilke



Canção de Amor

Como hei-de eu conter a minha alma,
que não toque na tua? Como hei-de eu
erguê-la por sobre ti para outras coisas?
Como eu desejaria dar-lhe abrigo
...
à sombra de qualquer coisa perdida no escuro
num recanto estranho e repousado,
que não vibrasse com o teu vibrar.
Mas tudo o que nos toca, a ti e a mim,

toma-nos juntos numa só arcada
que arranca de duas cordas um som único.
Sobre que instrumento estamos retesados?
Que músico nos tem na sua mão?
Oh doce canção!

Rainer Maria Rilke
(versão de Paulo Quintela)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Madrugada - what's on your mind


Osip Mandelstam

Quando sai para os céus a lua citadina,
    E a noite prenhe de cobre e mágoa cresce,
    E de lua a cidade espessa se ilumina,
    E a cera canora ao tempo rude cede,
E na sua torre de pedra o cuco chora,
    E a pobre ceifeira – no mundo dessangrado –
    Ajeita de leves agulhas da sombra enorme
    E as lança, palha amarela, no sobrado…

    1920

























The Sky is pregnant with the Future

  Once more the cacophony of war

   on the ancient plateaux of the world,
   and the propeller’s blade glistens
   like the sharpened bone of a tapir.
   The equation of the wing and death,
   having flown from the feasts
   of algebra, remembers the measure
   of other ebony toys,
   the hostile night, the enemy breeding-ground
   of short creatures, web-footed,
   and the young force of gravity:
   here began the power of the few.

So, prepare to live in the time

   where there is no wolf, no tapir
   and the heavens are pregnant with the future –
   with the wheat of the sated ether.
   For today the conquerors
   went round the cemeteries of floght,
   they broke the dragonfly wings
   and executed with little hammers.

Let’s listen to the sermon if thunder

   like the grandchildren of Sebastian Bach,
   and let us place organ wings
   in the east and in the west!
   Let’s throw the apple of the storm
   onto the table for the feasting earthlings
   and let us place on a glass dish
   a cloud in the middle of victuals.
   Let’s cover all anew
   with the damasked tablecloth of space,
   talking things through, rejoicing,
   giving food one to the other.
   At the round Court of Peace
   the blood will turn to ive at dawn,
   in the deep, pregnant future
   a huge honey-bee is buzzing.

And you, flying in timelessness

   under the whip of war, for the power of the few –
   if you only had the honour of mammals,
   if you only had the conscience of the flipper-footed!
   And the more sad, the more bitter it is for us
   that bird-people are worse than beasts
   and that unwillingly we have more trust in
   carrion-crows and kites.
   Like a hat of Alpine cold,
   year in and year out, in the heat and summer
   the cold palms of war
   are on the high forehead of humanity.
   And you, deep and sated,
   having become pregnant with the azure,
   scaled, many-eyed,
   the alpha and omega of the storm,
   to you – alien and eyebrowless –
   from generation to generation
   always a lofty and new
   surprise is communicated.


1923, 1929

Translation by Richard McCane          

 

CAMINHEIRO

Sinto é um medo, um medo insuperável
    Defronte das alturas misteriosas.
    E dizer que me agradam andorinhas
    No céu e do campanário o alto voo!

    Caminheiro de outrora, cá me iludo
    Pensando ouvir à borda do abismo
    A pedra a ceder, a bola de neve,
    O relógio batendo eternidade.

    Se assim fosse! Mas não sou o peregrino
    Que vem dos fólios antigos desbotados,
    E o que em mim real canta é esta angústia:
    Certo – desce uma avalancha das montanhas!
    E toda a minha alma está nos sinos,
    Só que a música não salva dos abismos!

domingo, 2 de dezembro de 2012

Sophia De Mello Breyner Andresen

Soror Mariana - Beja

Cortaram os trigos. Agora
A minha solidão vê-se melhor


***
A Escrita

No Palácio Mocenigo onde viveu sozinho
Lord Byron usava as grandes salas
Para ver a solidão espelho por espelho
E a beleza das portas quando ninguém passava

Escutava os rumores marinhos do silêncio
E o eco perdido de passos num corredor longínquo
Amava o liso brilhar do chão polido
E os tectos altos onde se enrolam as sombras
E embora se sentasse numa só cadeira
Gostava de olhar vazias as cadeiras

Sem dúvida ninguém precisa de tanto espaço vital
Mas a escrita exige solidões e desertos
E coisas que se vêem como quem vê outra coisa

Podemos imaginá-lo sentado à sua mesa
Imaginar o alto pescoço espesso
A camisa aberta e branca
O branco do papel as aranhas da escrita
E a luz da vela – como em certos quadros –
Tornando tudo atento

                                                                            Sophia de M. B. Andresen

***Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Story of Isaac - Leonard Cohen


Do sacrifício de Isaac


                                                               Sacrifício de Isaac, Andrea Mantegna


Queimará o monte, o filho, a lenha
A morte, as areias, a viagem
O deserto, a túnica, as estrelas

Nunca será bastante o incêndio.

                                      Daniel Faria