Por ©
Inácio Steinhardt
Dezembro de 2001
A história do Mosteiro dos Jerónimos, cujo 5º Centenário é o tema das comemorações, que se encerraram no passado 8 de Outubro, está intimamente ligada à história dos judeus em Portugal.
O falecido historiador israelita, Elias Lipiner, Comendador da Ordem de Mérito, a título póstumo, explica e documenta, na sua obra "Two Portuguese Exiles in Castile (Jerusalém,1997) as circunstâncias em que a Sinagoga Grande de Lisboa, construída em 1306-7, por ordem do Arrabi-Mor, Dom Judah, foi entregue aos frades da ordem de Cristo, em troca da capela de Santa Maria de Belém, na praia do Restelo. Desejoso de construir um mosteiro monumental, junto à praia de onde haviam partido as caravelas para os Descobrimentos, D. Manuel I, o Venturoso, ofereceu aos frades, em troca do terreno, a antiga "esnoga dos Judeus", sita no que antes fora a Judiaria Grande de Lisboa.
Após o decreto de expulsão de 1496 e a conversão forçada de todos os judeus em 1497, estes foram despojados do seu antigo templo, e a área da Judiaria passou a chamar-se Vila Nova. Juntamente com o edifício da sinagoga - cuja adaptação para igreja cristã foi autorizada pelo Papa, segundo relata Damião de Góis, na Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel - o monarca concedeu aos frades uma renda de 50 mil reais, pelas casas situadas dentro da referida Vila Nova. Entre essas casas situava-se uma casa nobre, que havia pertencido à família do judeu David Negro, a qual se refere Frei Joseph Pereira de Santa Anna, na sua "Crónica dos Carmelitas".
A Sinagoga Grande de Lisboa, deveria ter sido um edifício sumptuoso para a época, pois constituía uma atracção turística importante. O viajante alemão Jerónimo Muenzer, que visitou Lisboa em 1494, pouco antes da supressão do Judaísmo em Portugal, refere-se ao seu interior, "decorado com extrema beleza, com um púlpito para os sermões, semelhante aos das mesquitas e dez enormes candelabros com 50 ou 60 lâmpadas cada um, além dos outros". O edifício foi então purificado e reestruturado, para ser transformado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que se situava, antes do terramoto de 1755, segundo Samuel Schwarz e Augusto Vieira da Silva, na antiga Rua da Princesa (hoje Rua dos Fanqueiros), na esquina com a Rua dos Mercadores, a meia distância entre as actuais Ruas de S. Nicolau e da Conceição. Na voz do povo, em 1755, a igreja era chamada a Conceição Velha, para a distinguir da Conceição Nova, situada na então Rua Nova dos Ferros. A Igreja da Conceição Velha não foi incluida no plano pombalino de reconstrução da Baixa lisboeta, depois do terramoto. Em vez disso, o rei D. José deu aos frades o sítio da sumptuosa igreja da Misericórdia, na actual Rua da Alfândega, que também havia sido destruída pelo sismo. Aí foi construída a igreja, que ainda hoje existe, e que também ficou a ser conhecida por Conceição Velha. Talvez por isso, Alexandre Herculano e outros autores identificaram, por engano, a igreja da Rua da Alfândega com a Sinagoga Grande de Lisboa. Outros autores, como Vilhena Barbosa, Faria e Silva, Vieira da Silva e Samuel Schwarz desfizeram a confusão. Isso não impede que alguns guias turísticos ainda apontem para a ombreira da porta da Conceição Velha, na Rua da Alfândega, mostrando aos visitantes judeus, o que lhes parece ter sido o lugar da "mezuzá" judaica, uma caixa contendo um rolo de pergaminho com dois textos bíblicos. De qualquer modo, os turistas já não podem visitar o lugar do último templo judaico de Lisboa. Nem o sumptuoso Mosteiro dos Jerónimos, de visita obrigatória, que agora comemorou o 5º centenário da sua construção, é habitualmente relacionado com a expropriação da sinagoga, para substituir a capela de Santa Maria de Belém.
Sem comentários:
Enviar um comentário