segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Sophia M.B. Andresen, 3 poemas

Sophia de Mello Breyner

Sophia de Mello Breyner Andresen (1912-2004), natural do Porto, proveio de uma família tradicional e aristocrática. Quando nasceu, seu avô recebeu um cartão da rainha D. Amélia felicitando-o pelo nascimento da sua neta Andresen (o pai de Sophia era dinamarquês). Viveu uma infância feliz e dessa época – dos jardins da casa de família, das férias passadas na praia da Granja, veio material que aparece projectado nos seus contos infantis. Aos 10 anos foi viver para Lisboa e, depois, durante a frequência do Curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras, nasceu a paixão pela mitologia grega. (Desenho de Arpad Szenes).
Na sua poesia está patente o ideal de beleza das esculturas e cerâmica clássicas como dos mitos, relatos e suas interpretações, feitos ao longo de toda a Antiguidade na poesia ou no teatro. Mas também o mar, o sol, não só das ilhas gregas como do Algarve de Lagos. E a luta pela Liberdade e pela Justiça.

Apesar das ruínas e da morte,                                           
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.

........

A escritaNo Palácio Mocenigo onde viveu sozinho
Lord Byron usava as grandes salas
Para ver a solidão espelho por espelho
E a beleza das portas quando ninguém passava

Escutava os rumores marinhos do silêncio
E o eco perdido de passos num corredor longínquo
Amava o liso brilhar do chão polido
E os tectos altos onde se enrolam as sombras
E embora se sentasse numa só cadeira
Gostava de olhar vazias as cadeiras

Sem dúvida ninguém precisa de tanto espaço vital
Mas a escrita exige solidões e desertos
E coisas que se vêem como quem vê outra coisa

Pudemos imaginá-lo sentado à sua mesa
Imaginar o alto pescoço espesso
A camisa aberta e branca
O branco do papel as aranhas da escrita
E a luz da vela - como em certos quadros -
Tornando tudo atento 


....

Um dia


Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.



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