Desta vez, gostaria de chamar a atenção para um texto de Henry Corbin em que, lembrando Asín Palacios, se refere uma curiosa afinidade ou prolongamento interior, por assim dizer, entre o priscilianismo e uma escola do sufismo andaluz. As pistas singelas que aqui vou deixando são como lembretes de uma nossa história íntima, sagrada, escondida, que nenhum historiador, com olhos exteriores apenas para o que julga ser "factual", nunca poderá ver, por muito que olhe.
Não nos importa "provar" nada disto, o essencial é que alguns possam aproximar-se e, "por dentro", retomar a herança do Portugal profundo. Esses passarão sempre despercebidos, longe das pequenas guerrinhas, deliberadamente longe de protagonismos e das luzes do exterior. Falarão entre si, encontrar-se-ão em reuniões esporádicas, em Mértola ou na arrábida de Sesimbra ou na arrábida do Porto, na sinagoga de Tomar ou no mosteiro de Alcobaça ou no dodecaedro de Almeida, ou apenas no café Luz Verde. Ninguém saberá que é a eles que se deve a perpetuação de uma certa "presença".
E agora aqui vai o texto referido:
"A primeira questão que se coloca a propósito de Ibn 'Arabî é a de distinguir qual a parte exacta, antes de abandonar definitivamente o Ocidente islâmico, que ele pôde assimilar do esoterismo ismaelita ou de um esoterismo aparentado. Encontram-se indícios disso na sua familiaridade com a escola de Almería e no facto de ter feito um comentário à única obra que chegou até nós de Ibn Qasî, iniciador do movimento dos Murîdîn, no sul de Portugal, onde se reconhecem muitos traços característicos de inspiração xiita-ismaelita. Devemos ter em conta um fenómeno notável e simultâneo, numa e outra extremidades geográficas do esoterismo islâmico: o papel do ensino de um Empédocles, transfigurado em herói da teosofia profética. Na escola de Almería, na Andaluzia, Asín Palacios revelou com cuidado a importância deste neo-empedoclismo, ao mesmo tempo que se comprazia em ver nos discípulos de Ibn Masarra (ob. 319/931) os continuadores da gnose de Prisciliano. Em simultâneo, no Irão, a influência deste mesmo Empédocles se fez sentir tanto num filósofo correspondente de Avicena, Abû'l-Hasan al-'Amirî, como na cosmogonia de Sohravardî e na do Ismaelismo."
Não nos importa "provar" nada disto, o essencial é que alguns possam aproximar-se e, "por dentro", retomar a herança do Portugal profundo. Esses passarão sempre despercebidos, longe das pequenas guerrinhas, deliberadamente longe de protagonismos e das luzes do exterior. Falarão entre si, encontrar-se-ão em reuniões esporádicas, em Mértola ou na arrábida de Sesimbra ou na arrábida do Porto, na sinagoga de Tomar ou no mosteiro de Alcobaça ou no dodecaedro de Almeida, ou apenas no café Luz Verde. Ninguém saberá que é a eles que se deve a perpetuação de uma certa "presença".
E agora aqui vai o texto referido:
"A primeira questão que se coloca a propósito de Ibn 'Arabî é a de distinguir qual a parte exacta, antes de abandonar definitivamente o Ocidente islâmico, que ele pôde assimilar do esoterismo ismaelita ou de um esoterismo aparentado. Encontram-se indícios disso na sua familiaridade com a escola de Almería e no facto de ter feito um comentário à única obra que chegou até nós de Ibn Qasî, iniciador do movimento dos Murîdîn, no sul de Portugal, onde se reconhecem muitos traços característicos de inspiração xiita-ismaelita. Devemos ter em conta um fenómeno notável e simultâneo, numa e outra extremidades geográficas do esoterismo islâmico: o papel do ensino de um Empédocles, transfigurado em herói da teosofia profética. Na escola de Almería, na Andaluzia, Asín Palacios revelou com cuidado a importância deste neo-empedoclismo, ao mesmo tempo que se comprazia em ver nos discípulos de Ibn Masarra (ob. 319/931) os continuadores da gnose de Prisciliano. Em simultâneo, no Irão, a influência deste mesmo Empédocles se fez sentir tanto num filósofo correspondente de Avicena, Abû'l-Hasan al-'Amirî, como na cosmogonia de Sohravardî e na do Ismaelismo."
in Henry Corbin, L'imagination créatrice dans le soufisme d'Ibn Arabî. S.l.: Aubier, reed. 1993
Este trecho, talvez excessivamente técnico para alguns, não deixa de ser extremamente sugestivo na fecundidade densa das pistas que abre: de que modo a gnose priscilianista se pode ligar com o sufismo andaluz?
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