segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Dois poemas de Trakl

Georg Trakl, poeta austríaco expressionista, nasceu a 3 de Fevereiro de 1887 em Salzburgo. Era filho de um vendedor de ferro. Ainda muito jovem, talvez devido à sua instabilidade emocional, inicia-se no consumo de drogas como a cocaína e o ópio. Mantém uma  relação amorosa com a sua irmã (quatro anos mais nova), Margarethe. Trakl vê na sua irmã uma cópia dele mesmo. Esta relação incestuosa  terá grande influência na sua poesia. Em  vários dos seus poemas aparecem alusões simbólicas a essa irmã, como por exemplo no poema Grodek, onde a certa altura se lê: “A sombra da irmã cambaleia , através do silencioso arvoredo , para saudar os espíritos dos heróis “, ou ainda no poema  Blutschuld,  onde Trakl se refere explicitamente a essa relação “ infame”  nos  seguintes versos:

A noite ameaça o leito de nossos beijos
Murmura-se: quem vos livra da culpa?
Ainda trementes da infame e  doce volúpia
Rezamos:  Maria, na tua graça,  perdoa-nos.

Entre 1897 e 1905 frequenta o liceu humanístico estatal em Salzburgo. É um péssimo aluno, sobretudo  nas disciplinas de Matemática, Latim e Grego,  acabando por reprovar  várias vezes. Durante os seus estudos de farmacêutica, em Viana, junta-se ao círculo dos poetas Apollo, que mais tarde se chamará Minerva. É nessa altura que publica os seus primeiros versos. Forma-se em 1910. De seguida reside em Innsbruck. Presta serviço militar na Primeira Grande Guerra como oficial farmacêutico. Quebrado e desiludido com o sofrimento do seu tempo, suicida-se, tomando uma sobredose de cocaína, no hospital militar de Cracóvia (Polónia), em 1914.

 Durante o seu tempo de vida, Trakl  ficou apenas conhecido nos meios literários restritos.  Só postumamente vem a ser reconhecido como o grande poeta que é. A sua obra, relativamente pequena, o poeta morreu aos 27 anos, tem  grande influência na  futura lírica de língua alemã e internacional, influenciando poetas como Celan, Krolow, Günter Eich, Peter Huchel, Bobrowski, Ingeborg Bachmann etc.

Hoje, Trakl encontra-se traduzido naquelas que são consideradas as línguas mais importantes do mundo, e é estudado por um grande número de filólogos e pesquisadores de literatura. Trakl foi um dos grandes inovadores da linguagem poética de língua alemã. E é, tal como Hoddis e Lichtenstein (ambos, como Trakl,  expressionistas), um dos iniciadores da chamada técnica do Reihungsstils, ajuntamento de frases, imagens, metáforas em que, em grande parte dos casos, não existe  entre elas uma ligação sintáctica nem  lógica.

A  poética  de Trakl é marcada por uma forte melancolia, desespero, solidão, tristeza e busca de Deus. A morte, a ruína e a queda do Ocidente espelham o estado do tempo em que viveu e são afirmações centrais da sua profunda e intensa lírica, carregada de símbolos e metáforas fulgurantes. O Outono e a noite são dois dos principais Leitmotive desta poética fabulosa.



De profundis

Há um restolhal onde cai uma chuva negra.
Há uma árvore castanha que está sozinha.
Há um vento sibilante que gira à volta das cabanas vazias.
Como é triste esta noite.

Ao lado da aldeia
A doce órfã ainda colhe espigas raras.
Os seus olhos redondos e dourados percorrem o crepúsculo
E o seu colo aguarda o noivo celestial.

De regresso a casa
Os pastores encontraram o doce corpo
Decomposto no espinhal.

Eu sou uma sombra, aldeias distantes e obscuras.
Bebi o silêncio de Deus
Na fonte do bosque.

Na minha fronte galopou um metal frio
Aranhas procuram o meu coração.
Há uma luz que se extinguiu na minha boca.

À noite dei comigo numa charneca,
Cheio de lixo e poeira de estrelas.
Nas avelaneiras tilintavam de novo
anjos cristalinos.




Canção nocturna 

Hálito da imobilidade. O rosto de um animal
Congela de azul, a sua santidade.
O silêncio na pedra é tremendo.

A máscara de um pássaro nocturno. Um trítono
Suave funde-se num só. Elai! * O teu rosto
Dobra-se mudo sobre a água azulada.

Oh! Espelho silencioso da verdade.
Na têmpora de marfim solitário
Surge o reflexo dos anjos caídos.

*Elai ( aramaico ): meu Deus. Segundo o Novo Testamento,
 Jesus clamou na cruz nesta língua: “ Meu Deus, meu Deus,
 porque me abandonaste? “


2 comentários:

  1. Que preciosidade essa sua postagem, David!
    Eu não conhecia o poeta Georg Trakl... triste vida... belíssimos poemas!
    Abraço! : )

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    Respostas
    1. Obrigado, Elaine.
      Há muito que aqui não vinha.
      Eu adoro este poeta.
      A sua vida foi de facto triste.
      Um incompreendido e até maldito,
      da linhagem dos maiores.

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