quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

De Paulo Mendes Campos


PAULO MENDES CAMPOS
Nasceu em Belo Horizonte em 1992 (28 de Fevereiro)  e faleceu 1991. Poeta e cronista, dos mais notáveis das letras brasileiras. Merece ser relido sempre pelas novas gerações pela qualidade de seus textos. Aqui vai apenas uma pequena mas significativa mostra de seu enorme talento: dois poemas escolhidos de seu livro Testamento do Brasil e O Domingo Azul do Mar , publicado pela Editora do Autor, em 1996, no Rio de Janeiro.
   
CANTIGA PARA DJANIRA
 
O vento é o aprendiz das horas lentas,
traz suas invisíveis ferramentas,
suas lixas, seus pentes finos,
cinzela seus cabelos pequeninos,
onde não cabem gigantes contrafeitos,
e, sem emendar jamais os seus defeitos,
já rosna descontente e guaia
de aflição e dispara à outra praia,
onde talvez enfim possa assentar
seu momento de areia — e descansar.


 
 
 


NESTE SONETO
 
Neste soneto, meu amor, eu digo,
um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
que muita coisa bela o verso indaga,
mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa no deserto,
minha emoção é muita, forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
umas palavras brandas, entretanto,
não sei caber as falas de meu canto,
dentro da forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
das emoções do céu e das terrestres.

Saint-Saëns

Danse Macabre

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Cesário Verde

Cesário Verde
(25 de Fevereiro de 1855 — 19 de Julho de 1886)

 

«Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas, As notas pastoris de uma longínqua flauta.Se eu não morresse, nunca! E eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!»

Van Gogh

Ciprestes, Amendoeiras floridas e Starry Night, respectivamente
                                                                          
                                                               
                     

                                                                                                      
 


O novo Bowie

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Bossuet

“No Egipto, as bibliotecas eram chamadas ‘Tesouro dos remédios da alma’. De facto é nelas que se cura a ignorância, a mais perigosa das enfermidades e a origem de todas as outras.”

- Jacques Bénigne Bossuet (1627-1704)
Bíblia dos Jerónimos                                                

Lembrança de João Silva Tavares

J. S. Tavares e Alfredo Marceneiro

Dramaturgo, Poeta e Escritor

Nasceu em Estremoz a 24 de Junho de 1893, onde passou a sua infância e parte da adolescência. Aos 13 anos descobre-se poeta, tendo publicado o seu primeiro livro de versos Nuvens aos 18 anos.
A sua vida literária virou-se predominantemente para a poesia, mais de quatro dezenas de obras poéticas publicadas. Mas também dedicou muito do seu tempo e imaginação ao teatro. Escreveu mais de nove dezenas de peças, entre dramas, comédias e farsas. Mas foi no teatro ligeiro (opereta e revista) onde melhor se encontra, pelo tom popular que empresta a quase tudo o que escreve. Na sua vasta obra assinalamos ainda duas novelas, algumas crónicas, estudos históricos e biografias.
Foi durante cerca de trinta anos chefe da Secção de Coordenação de Programas da Repartição dos Serviços de Produção da Emissora Nacional. Aqui desenvolveu intensa actividade, dinamizando programas ligados à poesia e ao teatro. No seu testamento deixou como legado à Biblioteca de Estremoz mais de uma dezena de manuscritos das suas obras, um bronze, uma tela e as insígnias das condecorações com que foi distinguido.
Embora haja quem não dê grande destaque à sua obra para o Fado, ele foi um grande poeta, com alma bem fadista, lembremo-nos de algumas das suas criações, que foram grande êxito para os repertórios de Amália Rodrigues e Alfredo Marceneiro.
Para Amália Rodrigues, Céu da Minha Rua, Elogio do Xaile, Que Deus me perdoe, etc.
Para Marceneiro, A Casa da Mariquinhas, Mariquinhas 50 Anos depois e Fado da Balada.
João Silva Tavares morreu em 3 de Junho de 1964.
 
Canta Alfredo Marceneiro poema de João Silva Tavares:
 
 
 
 

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Farid ud-Din Attar

Salam! Neste Sábado, deixo-vos este belíssimo conto da sabedoria sufi. Uma parábola sobre a busca das criaturas pela união com a essência Divina:
 Fari u-Din Attar

Um grupo de pássaros desejava encontrar a seu rei; então pediram à poupa sábia (um pássaro com crista em forma de abano) que lhes ajudasse em sua busca. A poupa lhes disse que o rei que estão procurando se chama Simurgh (que significa em persa “Trinta Pássaros”) e que vive escondido na montanha de Qaf, porém é uma viagem muito difícil e perigosa. Os pássaros imploram à poupa que os guie. A poupa aceita e começa a ensinar a cada pássaro de acordo com seu nível e temperamento. Ela lhes diz que para alcançar o alto da montanha, necessitam atravessar cinco vales e dois desertos; quando tiverem passado o segundo deserto, entrarão no palácio do rei.
Os de vontade débil, temerosos da viagem, começam a dar desculpas. O louro, que é egocêntrico e egoísta, diz que em lugar de ir em busca do rei, buscará o Santo Gral. O pavão real, a ave legendária do paraíso, exclama que tem sonhado que voltará ao céu e que vai esperar pacientemente esse dia. A pata, se lamenta porque sua vida depende de estar próxima da água e morreria se separasse dela. A garça tem uma desculpa similar; não lhe é possível viajar longe do mar, porque seu amor pela água é tão grande que, embora permaneça sentada durante anos à sua margem, não tem ousado beber nem uma gota, se não o mar acabaria sem água. A coruja declara que prefere ficar e buscar as ruínas com a esperança de encontrar um tesouro algum dia. O rouxinol diz que não necessita viajar, porque está enamorado da rosa e este amor é suficiente para ele. Possui os segredos do amor que nem outra criatura tem; e com uma voz maravilhosa canta ao amor:
- Conheço os segredos do amor. Toda noite derramo meu canto de amor. A música mística da flauta se inspira em meu lamento, e sou eu quem faz desabrochar a rosa e comover os corações dos namorados. Ensino mistérios com minhas tristes notas, e quem me ouve se perde em êxtase. Ninguém conhece os meus segredos, unicamente a rosa. Tenho me esquecido de mim mesmo e só penso na rosa. Alcançar a Simurgh está acima de mim! O amor da rosa é suficiente para o rouxinol!
A poupa que escutou pacientemente responde ao rouxinol:
- Tu estás preocupado com a forma exterior das coisas, pelos prazeres de uma forma sedutora. O amor da rosa tem lançado espinhos no teu coração. Não importa quão grande seja a beleza da rosa, se desvanecerá em poucos dias; e o amor a algo tão passageiro só pode causar repulsa ao perfeito. Se a rosa te sorri é só para encher-te de dor, porque ela ri de ti a cada primavera. Abandona a rosa e seu quente calor.


A Linguagem dos Pássaros, miniatura do séc. XVI
"O que quer dizer Attar com esta simples conversação? Nós humanos temos o desejo de buscar a perfeição, mas muitas vezes tendemos a parar o processo tão logo detectamos o mais ligeiro sinal de progresso. Isto é especialmente certo nos aspirantes ao caminho espiritual: muitos buscadores estão encantados com as primeiras etapas do despertar e o confundem com a completa iluminação. Attar nos adverte de tais perigos: não devemos confundir o amor do imaginário com o amor do Real. Por esta razão, o rouxinol tem que abandonar seu enganoso apego pela rosa para buscar ao eterno Amado.”

A poupa deleita os pássaros com maravilhosas histórias daqueles que têm feito a perigosa viagem.
Depois de ter ouvido as histórias da poupa, os pássaros estão inspirados para começar sua viagem até o primeiro vale.
Entretanto, logo começam a ter problemas, e se dão conta de que o caminho vai ser mais difícil do que haviam imaginado. Alguns voltam a por desculpas. Um afirma que a poupa não é suficientemente sábia para conduzi-los. Outro se queixa que satanás o tem possuído e lhe está pondo as coisas difíceis. E outro expressa seu desejo de ter dinheiro e a comodidade de uma vida de luxo.
Finalmente, a poupa decide que a única forma para que os pássaros compreendam, é descrever-lhes os sete vales e desertos da viajem. O primeiro é o Vale da Busca. Aqui se busca a Verdade com inquietude, diz a poupa. Com constância, se busca um significado maior ao propósito da vida. Só um buscador com dedicação pode atravessar a salvo o primeiro vale e ir ao segundo, o Vale do Amor. Aqui se sente um desejo ilimitado de ver ao Rei Amado. Um fogo abrasador começa a crescer no coração e se faz devastador. O lugar é mais perigoso que o primeiro vale, porque há obstáculos no caminho para por a prova o amor. Entretanto esse mesmo amor impulsiona ao buscador sair do vale e ir até uma terra mais alta: o terceiro vale, o Vale do Conhecimento. Uma vez que se entra nesta terra, o coração se ilumina com a verdade. Se adquire aqui o conhecimento interior do Amado. Deste lugar o viajante continua a viagem ao Vale do Desapego, onde perde seus desejos de possessões mundanas. Não existe ataduras com o mundo material para o viajante que atravessa esse vale; liberado dos desejos agora o aspirante é completamente independente.
Cada novo lugar que o buscador encontra é mais perigoso que o anterior e deve ser explorado passo à passo, porque cada um contém suas próprias provas e dificuldades. Assim, cada encontro com uma terra diferente é uma experiência nova.
O quinto vale é o Vale da Unidade. O viajante experimenta nele que todos os seres são unos em essência, que toda variedade de ideias, experiências e criaturas da vida têm realmente uma só fonte.
O viajante chega ao Deserto do Medo. Então se esquece da existência de si mesmo e de todos os demais. Vê a luz, não com os olhos da mente, sim com os olhos do coração. A porta do divino tesouro, o segredo dos segredos, se abre. Nesta terra, o intelecto já não funciona. Aqui se pergunta ao viajante quem é e o que és, responde: “Não sei nada.”
Finalmente chega ao Deserto do Aniquilamento e da Morte. Neste ponto, o aspirante entende finalmente como uma gota se funde no oceano da unidade com o Amado. Tem encontrado o destino da viagem para encontrar ao rei.
Depois de ouvir a descrição da poupa sobre o que os espera, os pássaros se animam tanto que imediatamente continuam sua viagem.
No caminho alguns morrem pelo calor e se jogam no mar. Outros se cansam e não podem continuar; um grupo é caçado por animais selvagens e outros mais se distraem tanto pelo atractivo das terras que atravessam, que se perdem e ficam para trás. Só trinta alcançam seu destino: a montanha de Qaf.
No palácio real, o guarda da entrada trata cruelmente os trinta pássaros. Mas os pássaros, que têm passado o pior, são tolerantes e não se permitem sentir-se molestados por sua dureza. Finalmente, o servidor pessoal do rei sai e conduz os pássaros ao salão real. Ao entrar, os pássaros olham tudo assustados. Não sabem o que ocorre, porque no lugar de ver a Simurgh, “Trinta Pássaros”, tudo o que vêm é... Trinta Pássaros.
Finalmente compreendem que, olhando-se a si mesmos, têm encontrado ao rei, e que em sua busca do rei, se têm encontrado a si mesmos.
Os que atravessam as sete cidades do amor se purificam. Quando chegam ao palácio real, encontram ao rei que se revela a seus corações.




Autor: Fariduddin Attar, séc. XII
(extraído do livro: História de la Tierra de los Sufíes)

Fonte: Poesia Sufi / Chá-deLima da Pérsia

Henry Corbin, Prisciliano e uma curiosa sugestão de Asín Palacios


   Desta vez, gostaria de chamar a atenção para um texto de Henry Corbin em que, lembrando Asín Palacios, se refere uma curiosa afinidade ou prolongamento interior, por assim dizer, entre o priscilianismo e uma escola do sufismo andaluz. As pistas singelas que aqui vou deixando são como lembretes de uma nossa história íntima, sagrada, escondida, que nenhum historiador, com olhos exteriores apenas para o que julga ser "factual", nunca poderá ver, por muito que olhe.
Não nos importa "provar" nada disto, o essencial é que alguns possam aproximar-se e, "por dentro", retomar a herança do Portugal profundo. Esses passarão sempre despercebidos, longe das pequenas guerrinhas, deliberadamente longe de protagonismos e das luzes do exterior. Falarão entre si, encontrar-se-ão em reuniões esporádicas, em Mértola ou na arrábida de Sesimbra ou na arrábida do Porto, na sinagoga de Tomar ou no mosteiro de Alcobaça ou no dodecaedro de Almeida, ou apenas no café Luz Verde. Ninguém saberá que é a eles que se deve a perpetuação de uma certa "presença".
E agora aqui vai o texto referido:

"A primeira questão que se coloca a propósito de Ibn 'Arabî é a de distinguir qual a parte exacta, antes de abandonar definitivamente o Ocidente islâmico, que ele pôde assimilar do esoterismo ismaelita ou de um esoterismo aparentado. Encontram-se indícios disso na sua familiaridade com a escola de Almería e no facto de ter feito um comentário à única obra que chegou até nós de Ibn Qasî, iniciador do movimento dos Murîdîn, no sul de Portugal, onde se reconhecem muitos traços característicos de inspiração xiita-ismaelita. Devemos ter em conta um fenómeno notável e simultâneo, numa e outra extremidades geográficas do esoterismo islâmico: o papel do ensino de um Empédocles, transfigurado em herói da teosofia profética. Na escola de Almería, na Andaluzia, Asín Palacios revelou com cuidado a importância deste neo-empedoclismo, ao mesmo tempo que se comprazia em ver nos discípulos de Ibn Masarra (ob. 319/931) os continuadores da gnose de Prisciliano. Em simultâneo, no Irão, a influência deste mesmo Empédocles se fez sentir tanto num filósofo correspondente de Avicena, Abû'l-Hasan al-'Amirî, como na cosmogonia de Sohravardî e na do Ismaelismo."
in Henry Corbin, L'imagination créatrice dans le soufisme d'Ibn Arabî. S.l.: Aubier, reed. 1993

Este trecho, talvez excessivamente técnico para alguns, não deixa de ser extremamente sugestivo na fecundidade densa das pistas que abre: de que modo a gnose priscilianista se pode ligar com o sufismo andaluz?

Elis - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

»Elis Regina, Águas de Março«

Link: http://www.vagalume.com.br/elis-regina/aguas-de-marco.html#ixzz2Lk6cpRE0



                                      Uma ou "a" rainha da música brasileira : Elis Regina

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, o nó da madeira
Caingá candeia, é o Matita-Pereira

É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira

É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto um desgosto, é um pouco sozinho

É um estepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manha, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto do toco, é um pouco sozinho
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho

Pau, pedra, fim do caminho
Resto de toco, pouco sozinho
Pau, pedra, fim do caminho
Resto de toco, pouco sozinho

Pedra, caminho
Pouco sozinho
Pedra, caminho
Pouco sozinho
Pedra, caminho
É o toco...

Sobre o grande compositor Tom Jobim, autor do tema "Águas de Março"

João Ferreira Rosa

»Fados


- & -
 
Letra: António Calém
Música: Marcha de Alfredo Marceneiro
 
 


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

António Telmo - um texto sobre António Quadros e não só

                                          António Quadros


António Quadros, a Lua e a Primavera
 
Estamos aqui reunidos celebrando o pensamento de António Quadros para o tornar presente na nossa lembrança e na nossa saudade. Nesta época da televisão em que todas as noites nos expomos sem vergonha ou defesa, ao bombardeamento da imagem, é bom, de vez em quando, não morrer de todo relendo um conto tradicional, não para regressar à infância, mas para nele vermos como a imagem pode ser um símbolo para os homens, quando a luz não é manipulada pelos computadores, mas se revela nas formas da verdade.
“Era uma vez uma princesa que, ao descer, logo vieram sete fadas. Cada uma delas dotou-a com uma virtude, mas a sétima marcou o seu destino de infortúnio.”
Eis que entramos no reino dos mitos e dos símbolos.
Só as almas superiores concentram sobre si, ao nascerem para a vida, os sete poderes fatais, significados pelos planetas.
António Quadros era um espírito superior. No horóscopo que dele fez Vasco da Gama Rodrigues, o signo de Câncer na casa Segunda está povoado de estrelas juntas olhando o recém-nascido. A Lua no seu domicílio domina o céu.
António Quadros não gostou do horóscopo, viu com incómodo que ele o caracterizava como um espírito lunar. E não se libertou desse desgosto mesmo quando outros astrólogos lhe lembraram que a Lua é o espelho do Sol e lhe mostraram que a conjunção de tantos astros no mesmo lugar do horóscopo era o sinal de um destino superior.
Morreu exactamente na hora em que teve início a Primavera de 1993, ali onde a roda do tempo recebe o impulso de luz que o liberta do nocturno Inverno. Refere René Guénon que os iniciados escolhem esse dia para morrer porque assim propiciam que a viagem no outro mundo se inaugure em condições altamente favoráveis. António Quadros não era um iniciado, mas Deus, queremos todos pensar, terá escolhido por ele. Assim seja!
Mais misterioso é o facto de Agostinho da Silva ter pedido para o levarem do hospital para casa onde queria passar o Domingo de Páscoa, dia em que de facto partiu.
A obra de António Quadros é uma obra de reflexão. Não é um filósofo operativo, um filósofo que não confunde a categoria de paixão com a categoria de acção. Reflectiu, com muitas vezes perfeita limpidez, as doutrinas solares dos seus mestres, cuja luz encheu daquela suavidade que a torna suportável e até aceitável pelas almas inferiores que a noite dominada pela televisão envolve. Por vezes há manchas nessa reflexão, como a do excessivo valor que atribuiu à doutrina do inconsciente de Carl Jung.
Esta doutrina aparece a explicar e a defender o mito do Encoberto contra a grosseria de António Sérgio. É sobre o livro de António Quadros Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista que diremos qualquer coisa nos poucos minutos que a cada um de nós são concedidos. Espero que essa coisa qualquer seja a coisa que se quer.
Neste livro, como em Portugal, Razão e Mistério, o mito aparece a interpretar a história, mas é sempre a história que decide do sentido do mito através da política. O mito do Encoberto é a forma que em Portugal assumiu o messianismo, mas, se no judaísmo a espera do Messias degenerou no marxismo e na utopia da sociedade sem classes, aqui, em Portugal, país onde manda Cristo, é a unidade católica, que harmoniza mas não destrói as diferenças dos indivíduos, das classes e dos povos, aquilo que aparece prometido no regresso do Rei e que, sem dúvida, estará confiado à Idade do Espírito Santo. Em consequência, António Quadros não se limitou a criticar e a refutar o optimismo progressista de Marx e seus sequazes, mas repudiou também o pessimismo dos esoteristas, apesar da simpatia que eles lhe mereciam, cuja doutrina resume deste modo : “O albedo do Quinto Império virá assim depois das fases alquímicas de putrefactio e nigredo ; a luz do Espírito Santo, após a putrefacção e a morte ritual de todo um povo. A terra portuguesa, queimada, gasta, desperdiçada, a wasteland, povoada de hollow men, de homens vazios, é um Calvário, onde um povo-Messias, um povo-D. Sebastião, um povo-Cristo, é crucificado para ressuscitar em glória e salvar a humanidade. Este é, para Abellio, o mais subtil sentido do sebastianismo e do Quinto Império.”
Se eu tivesse vindo aqui com a intenção somente de expor a mitosofia de António Quadros (era assim que ele gostava de exprimir-se), já há muito que estaria empregado numa universidade. Toda a interpretação que não vai para além de si própria é uma redução, porque é nisso que consiste a objectividade científica, conservando-se dentro dos seus limites. Prefiro ler Leonardo Coimbra e ouvir as suas palavras à saída da fonte, mesmo que o não compreenda, do que lê-lo simplificado numa apreensão mais ou menos correcta. Se o autor disse o que disse naquelas palavras, outras palavras desdizem necessariamente o que ele disse. Antes a fantasia subjectiva dos que atiram ao lado de Leonardo Coimbra e, ao irem procurar o que disseram, descobrem um mundo maravilhoso. Por muito respeito que nos mereçam os estudos de um filósofo que só são científicos quando deixamos a alma em casa, é bom, de vez em quando, que sigamos o movimento da nossa imaginação.
Todos sabemos que o espiritismo é uma aberração, mas comportarmo-nos perante os mortos, com quem convivemos e que amámos em vida, como se tivessem passado a inexistentes e fossem hoje um nada, além de estúpido é imoral. Por isso Álvaro Ribeiro, quando José Marinho partiu, falava dele, nos meses sucessivos em que permaneceu entre nós, como se não tivesse morrido e em tais termos e com tal verdade que alguns julgaram que pelo seu cérebro perpassasse a asa da alucinação.
Façamos o mesmo com António Quadros!
Eu discuti com ele enquanto preparava esta evocação do seu pensamento. O que lhe disse foi mais ou menos o seguinte.
“O meu amigo, levado pelo seu inteligente e corajoso patriotismo, compromete excessivamente o mito do Encoberto com a história política de Portugal. O sebastianismo, como movimento social, é apenas um aspecto menor desse mito. Com o Bandarra o sebastianismo foi anterior a si próprio porque as Trovas foram publicadas antes de Alcácer-Quibir. Você dirá que as profecias do sapateiro de Trancoso nasceram de condições históricas socialmente análogas às que permitiram mais tarde, depois do descalabro da batalha, criar pelo inconsciente colectivo a ideia de um rei eternamente vivo. Se observarmos, porém, que ao mito do Encoberto corresponde uma sabedoria do Encoberto, de que a filosofia portuguesa foi até si a explicitação actual, terá de situar essa sabedoria muito antes do Bandarra com o nascimento da Ordem do Templo como Portugal. No reinado de D. Dinis, as condições sociais eram completamente diferentes. Havia um país pleno de força e de confiança em si próprio e, no entanto, todas as Cantigas de Amigo têm por tema a demanda do Encoberto.
Ai flores, ai flores do verde pino
Se sabedes novas do meu amigo
Ai Deus y u é ?
O Encoberto aparece aqui significado por três vogais: i u e. Y u é, que quer dizer, como sabe, e onde está ? O verde pino deve ser interpretado, em sintonia com a ilha verde em que habita o Rei, como a comunidade gnóstica e as flores como os seres iluminados supremos. A pinha, símbolo sempre presente na arquitectura manuelina, sendo o fruto dessas flores concentra em si ocultas as sementes na forma vegetal duma chama.
Quando o Padre António Vieira desocultou o Encoberto apresentando-o como D. João IV, quando interpretou o Fuão das Trovas do Bandarra, como João Duque de Bragança, o sebastianismo, no sentido que lhe dou de uma sabedoria esotérica, acabou e a Pátria entrou em decadência até esta miséria do nosso tempo em que o deus que cultuamos é o deus Mamon. A revelação do oculto não pode ser histórica. O oculto só se revela à alma.”
António Quadros ouviu-me com aquele jeito tão seu de quem não se sabe se está a ouvir mas que é o modo próprio de quem segue a sua estrela interior e disse-me brandamente: “Está bem. Mas tudo isso não invalida o que eu exponho no meu livro. Os Antónios Sérgios continuam aí “.
 
António Telmo

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

540º. Aniversário de Nicolau Copérnico


De Revolutionibus Orbium Coelestium


                                                                               


Jan Matejko, Astronomer Copernicus - Conversation with God
                                          Copérnico - Conversação com Deus




Sistema Heliocêntrico





segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

GALICIA - As cinco catedrais: visitas virtuais 360º

Un Orthodoxe d'Occident: L’héritage de Benoît XVI

Un Orthodoxe d'Occident: L’héritage de Benoît XVI: Je reprends ici une analyse d'un jeune sociologue québécois, Mathieu Bock-Coté, publiée hier dans son blog Journal de Montréal. Elle est vra...


de Tribus Liliis - a ler, sem dúvida.

Nicholas Roerich



» Nicholas Roerich

Pintor, arqueólogo e místico russo, reflectiu a espiritualidade na sua arte


Nikolas Roerich nasceu na cidade russa de Saint Petersburg, em 19 de Outubro de 1874. O seu pai, Constantino, era de origem escandinava e um proeminente notário; a sua mãe, Maria Kalashnikova, pertencia a uma velha família da nobreza russa. A infância decorreu em Ishvara. Foi lá que Nikolas aprofundou o seu relacionamento com a natureza. Os elementos, o vento, a terra, a água tornaram-se os seus confessores e amigos. Com um temperamento solitário, facilmente entrava em comunhão com a natureza, e em rigor podemos afirmar que o seu primeiro mestre foi o mundo natural. Foi naquela época que se iniciou o seu interesse pelas lendas, tradições e poesia do seu país. 

Muito cedo se apaixonou pela arqueologia, e com frequência fazia expedições para desvendar o passado e interrogar as rochas. Parecia, com uma intuição supranormal, com recordações subliminares, conhecer as grandes linhas de desenvolvimento humano. A actividade nesta área tornou-o um dos maiores arqueólogos da Rússia. 

Por desejo do pai, iniciou o estudo de Direito em 1893 e, simultaneamente, ingressa na Academia de Belas Artes de Saint Petersburg. O seu primeiro mestre, Kuinji, percebeu nele a lucidez, e anteviu o seu génio. Dava-lhe plena liberdade criativa. A sua pintura era estranha, cheia de mistério e magnetismo. Falava à alma do espectador: de terras longínquas, de lendas ainda vivas, de heróis, de guerreiros e de sacerdotes, de vagabundos e de peregrinos – que sulcavam a grande aventura colectiva da vida. 



































Lana del Rey

                                         
                                              »National Anthem«

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Il Moretto




Dois Poemas de Goethe

Goethe

Livro do AmorO mais singular livro dos livros 
É o Livro do Amor; 
Li-o com toda a atenção: 
Poucas folhas de alegrias, 
De dores cadernos inteiros. 
Apartamento faz uma secção. 
Reencontro! um breve capítulo, 
Fragmentário. Volumes de mágoas 
Alongados de comentários, 
Infinitos, sem medida. 
Ó Nisami! — mas no fim 
Achaste o justo caminho; 
O insolúvel, quem o resolve? 
Os amantes que tornam a encontrar-se. 


Johann Wolfgang von Goethe, in "Divã Ocidental-Oriental" 
Tradução de Paulo Quintela


Se da Amada Estás AusenteSe da Amada estás ausente 
Como o Oriente do Ocidente, 
O coração transpõe todo o deserto; 
Só, por toda a parte acha o seu caminho certo. 
Para quem ama Bagdad é aqui perto. 


Johann Wolfgang von Goethe, in "Divã Ocidental-Oriental" 
Tradução de Paulo Quintela


sábado, 16 de fevereiro de 2013

Não ao Acordo Ortográfico! Resiste.

  

  Não ao Acordo Ortográfico que nos querem impor. Sou inteiramente contra as regras do acordo, que invadiu quase todos os órgãos de comunicação social, escrita e audiovisual. Raros são os meios de comunicação que resistem a esse chorrilho de disparates que introduziram na língua portuguesa dois ou três filólogos sem a menor relevância, baseados em argumentos falaciosos da unidade da língua (em Portugal e nos restantes países da lusofonia). Pelo contrário, a língua passou a ter mais variantes que antes deste absurdo acordo.
  No Brasil, há palavras que continuam a escrever-se correctamente, enquanto em Portugal, elas passam a uma grafia nova sem sentido e sem respeito pelas raízes latinas da língua. Veja-se o caso de "Recepção". No Brasil, a palavra continua a grafar-se desta maneira, enquanto em Portugal, o Acordo Ortográfico fez cair o "p", passando a "Receção". Ora, qual a diferença de "Receção" para recessão? Nenhuma, a não ser a pronúncia. Acresce a isto que, nos restantes países europeus, segue-se a norma e a palavra adopta a sua configuração correcta, segundo a sua raiz, algo como (penso no inglês ou no francês, mais universais) "Reception". Muitos exemplos poderiam ser dados: como distinguir a forma verbal "pára" da preposição "para"? Porque razão o acordo prevê a grafia do nome do país como sendo "Egito" - que aliás, grafado desta maneira é um nome próprio -, quando ao nos referirmos aos habitantes desse país, os designamos por "egípcios"? Tudo isto, e o mais que aqui não é dito, é incongruente. Daí que todas as acções e iniciativas em prol do combate ao "desacordo ortográfico" em que nos colocaram, são bem-vindas. Alguns cidadãos empenhados já estão a agir no sentido da revogação do A.O. Devemos apoiá-los e devemos resistir, pelo exemplo e pela palavra, a usar o famigerado acordo.

Veja e assine a ILC contra o Acordo ortográfico: http://ilcao.cedilha.net/
 




sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Nos 150 anos do nascimento de Claude Debussy

»David Oistrakh, Debussy - Clair de lune«




»Bernstein, Debussy - Prélude à l'après-midi d'un faune«




quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

De Clarice Lispector

No Dia de S. Valentim, dia dos namorados, um texto para ler em dois sentidos:

 Clarice Lispector

"Leia o texto abaixo e depois leia de baixo para cima"

« Não te amo mais.                                                                                  
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais... »

NikCave


»Jubilee Street«

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Um blog a seguir, em construção - de Inácio Steinhardt




Os judeus do Olival

A última sinagoga do Porto, antes da conversão forçada

Rafael Sanzio

Rafael Sanzio                                                    Pormenor de "A Ressurreição de Cristo"


















» A Escola de Atenas «                                                      Pintura atribuída a Rafael

                                                                                                  

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Sons do Alentejo


Bom Entrudo / Carnaval

                                              Os "Caretos" de Podence, o genuíno Entrudo
                                                  do Norte (Trás-os-Montes) de Portugal.
                                                

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Oh Entrudo! - José Afonso


Ó entrudo Ó entrudo
Ó entrudo chocalheiro
Que não deixas assentar
as mocinhas ao solheiro

Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Que no monte é qu'eu estou bem
Que no monte é qu'eu estou bem

Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Onde não veja ninguém
Que no monte é qu'eu estou bem

Estas casas são caiadas
Estas casas são caiadas
Quem seria a caiadeira
Quem seria a caiadeira

Foi o noivo mais a noiva
Foi o noivo mais a noiva
Com um ramo de laranjeira
Quem seria a caiadeira

(Popular Malpica, Beira-Baixa)



                                      & outra versão:




Coleridge e o Kublah Khan


The shadow of the dome of pleasure
 
Floated midway on the waves;
Where was heard the mingled measure
From the fountain and the caves.
It was a miracle of rare device,
A sunny pleasure-dome and caves of ice!

Sim, são versos do fantástico, onírico e misterioso poema “Kubla Khan: or a vision in a dream. A fragment” (1797), do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), um magnífico, ainda que fragmentário devaneio lírico, que, segundo o poeta contou, lhe teria aparecido em sonhos, como uma oferta...
Aconteceu assim:
Em 1797 quando vivia em Somerset, em Exmoor, em casa do seu amigo Wordsworth e mulher, numa tarde de verão fumou ópio e adormeceu a ler uma passagem do Purcha’s Pilgrimage, que relata a construção do célebre palácio do Imperador chinês Kubla Khan (1215-1294), -o grande Imperador Mongol que conquistou a China e que
Marco Polo visitou-o, em Shang-tu (Xanadu).
"A leste de Shang-tu, Kubla Khan erigiu um palácio, segundo um plano que havia visto em um sonho e que guardava na memória".

Quem escreveu isto foi o vizir de Gashan Mahmud, que descendia de Kublah.
Um imperador mongol, no século XIII, sonha um palácio e o edifica conforme a visão; no século XVIII, um poeta inglês que não podia saber que esta construção se originou de um sonho, sonha um poema sobre o palácio...” 
Ao acordar desse sono profundo, contou ao amigo que compusera em sonho umas 200 ou 300 linhas sobre esse tema. Sentou-se à mesa e começou a escrever os versos que formam o “fragmento”.

Tendo sido interrompido durante a escrita por alguém –“ a person from Porlock”-, ao retomar o trabalho, descobre que o resto do poema se lhe apagara na mente, desaparecera da memória...
Visões, uma cornucópia de imagens iridescentes, sugerindo outros mundos, o rio sagrado caindo com fragor numa fonte, o palácio do Khan, as cavernas, o “sunless sea”, o interior dos jardins paradisíacos onde surge a luz do sol, a cor.
E uma donzela...
Disso tudo, restam oito ou dez linhas dispersas, o resto dissipara-se “tal como as imagens na superfície de um rio para dentro do qual se atirou uma pedra...”, diz o poeta.
Curioso, fui ler no “actual” manual de Literatura Inglesa (Oxford Concise Companion to English Literature) que actualmente me tem acompanhado, e que recomendo, consultei a net e encontrei alguns “blogs” interessantes.
No blog Afonso Henriques Rodrigues, li um “post” muito bem feito, de 26 de Novembro de 2008, intitulado “O sonho de Coleridge”:




"A leste de Shang-tu, Kubla Khan erigiu um palácio, segundo um plano que havia visto em um sonho e que guardava na memória".
Quem escreveu isto foi o vizir de Gashan Mahmud, que descendia de Kubla.Um imperador mongol, no século XIII, sonha um palácio e o edifica conforme a visão; no século XVIII, um poeta inglês que não podia saber que esta construção se originou de um sonho, sonha um poema sobre o palácio."
                                                                    Coleridge
 NOTAS:
(*)
" O poeta sonhou em 1797 (outros acham que foi em 1798) e publicou o seu relato do sonho em 1806, a maneira de glosa ou justificativa do poema inconcluso. Vinte anos depois apareceu em Paris, fragmentariamente, a primeira versão ocidental de uma destas histórias universais em que a literatura persa é tão rica, o Compêndio de histórias de Rashid ed-Din, que data do século XIV. Em uma página se lê: "A leste de Shang-tu, Kubla Khan erigiu um palácio, segundo um plano que havia visto em um sonho e que guardava na memória". Quem escreveu isto foi o vizir de Gashan Mahmud, que descendia de Kubla. Um imperador mongol, no século XIII, sonha um palácio e o edifica conforme a visão; no século XVIII, um poeta inglês que não podia saber que esta construção se originou de um sonho, sonha um poema sobre o palácio. Confrontadas com essa simetria, que trabalha com almas de homens e abarca continentes, parecem-me significar nada ou muito para as levitações, as ressurreições e o aparecimento dos livros religiosos. Que explicação preferimos? Aqueles que de antemão rechaçam o sobrenatural (eu trato sempre de pertencer a esse grupo) julgarão que a história dos dois sonhos é uma coincidência, um desenho traçado pelo acaso, como as formas de leões e de cavalos que as vezes configuram as nuvens. Outros argüirão que o poeta soube de algum modo que o imperador havia sonhado o palácio e disse ter sonhado o poema para criar uma esplêndida ficção que em si aplacasse ou justificasse o truncado e o rapsódico dos versos... "

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Virgem Sutta

  Linhas Cruzadas

Sohrab Sepehri : poeta do Irão

Sohrab Sepehri
é um dos mais importantes poetas contemporâneos do Irão. Sua colectânea de poemas em oito livros está sempre em alta. Juntamente com os poetas imortais como Hafez, Saadi, Rumi, Ferdowsi e Khayyam, são sempre lembrados no Irão atual Forough Farrokhzad, Shamlu e Sepehri. Está entre os principais poetas contemporâneos do Irão. Sohrab Sepehri nasceu em Kashan, em 1928. De família de classe média, seu bisavô foi um conhecido homem das letras e historiador. Seu talento para desenhar e pintar se manifestou desde cedo, assim como seu dom para escrever poemas. Em 1957 viajou pela primeira vez à Europa e aprofundou seus estudos de arte e francês. Desde 1962 Sepehri dedicou-se totalmente à sua arte: pintura e poesia. Durante a década de 60 viajou bastante. Pouco se sabe sobre sua vida pessoal, mas seus poemas aludem à existência de uma misteriosa mulher. Em Janeiro de 1979 soube que tinha leucemia. Morreu em abril de 1980. (Kashan).



















ENDEREÇO

“Onde fica a casa do amigo?”  - Era alvorada quando o cavaleiro perguntou.
O céu fez uma pausa.
O passante tirou o ramo de luz que trazia nos lábios, ofereceu para a escuridão das areias,
com o dedo apontou um álamo e disse:

“Antes da árvore
tem uma alameda que é mais verde que o sono de Deus
e lá o amor é um azul igual ao das penas da sinceridade.
Siga até o fim dessa rua, que vai dar atrás da adolescência
e então dobre em direção da flor da solidão.
A dois passos da flor
fique ao pé da fonte dos mitos eternos da Terra
e um medo transparente o dominará.
Na intimidade que flui no espaço, ouvirá um ruído:
verá uma criança
que subiu num pinheiro alto para apanhar um filhote no ninho da luz.
E então pergunte a ela
onde fica a casa do amigo.”

Tradução de Nasrin Haddad Battaglia – abril, 2012

                                                 This is from a poem by‌ Sohrab Sepehri                         
. . .
UM OÁSIS NO MOMENTO

Se vieres à minha procura
estou atrás do lugar que não existe
atrás do lugar que não existe há um lugar
atrás do lugar que não existe
são as veias do ar cheias de mensageiros
que trazem notícias da mais longínqua florida flor da terra
na face da areia estão traçadas as marcas do cavalo de um cavaleiro gracioso
que de manhã subiu ao cimo da montanha de Ascenção
atrás do lugar que não existe está aberto o leque dos desejos
tocam as campainhas de chuva para que a brisa sequiosa possa chegar ao cimo
de uma folha das campainhas de chuva que tocam
aqui o homem está só
e nesta solidão a sombra de um ulmeiro flui para a eternidade
se vieres à minha procura
vem devagar e suavemente para não quebrar a porcelana da minha solidão.

Tradução de  Halima Naimova