quarta-feira, 15 de maio de 2013

Camões, Quatro Sonetos

Ditosa Ave  
Quem fosse acompanhando juntamente 
Por esses verdes campos a avezinha, 
Que despois de perder um bem que tinha, 
Não sabe mais que cousa é ser contente! 

E quem fosse apartando-se da gente, 
Ela por companheira e por vizinha, 
Me ajudasse a chorar a pena minha, 
E eu a ela também a que ela sente! 

Ditosa ave! que ao menos, se a natura 
A seu primeiro bem não dá segundo, 
Dá-lhe o ser triste a seu contentamento. 

Mas triste quem de longe quis ventura 
Que para respirar lhe falte o vento, 
E para tudo, enfim, lhe falte o mundo!
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"


Erros Meus, Má Fortuna, Amor ArdenteErros meus, má Fortuna, Amor ardente 
Em minha perdição se conjuraram; 
Os erros e a Fortuna sobejaram, 
Que para mim bastava Amor somente. 

Tudo passei; mas tenho tão presente 
A grande dor das cousas que passaram, 
Que já as frequências suas me ensinaram 
A desejos deixar de ser contente. 

Errei todo o discurso de meus anos; 
Dei causa a que a Fortuna castigasse 
As minhas mal fundadas esperanças. 

De Amor não vi senão breves enganos. 
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse 
Este meu duro Génio de vinganças! 

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"


  
Cá nesta BabilóniaCá nesta Babilónia, donde mana 
Matéria a quanto mal o mundo cria; 
Cá, onde o puro Amor não tem valia, 
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana; 

Cá, onde o mal se afina, o bem se dana, 
E pode mais que a honra a tirania; 
Cá, onde a errada e cega Monarquia 
Cuida que um nome vão a Deus engana; 

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza, 
O Valor e o Saber pedindo vão 
Às portas da Cobiça e da Vileza; 

Cá, neste escuro caos de confusão, 
Cumprindo o curso estou da natureza. 
Vê se me esquecerei de ti, Sião! 

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"


De quem o mesmo Amor não se apartavaJá a roxa e clara Aurora destoucava 
Os seus cabelos de ouro delicados, 
E das flores os campos esmaltados 
Com cristalino orvalho borrifava; 

Quando o formoso gado se espalhava 
De Sílvio e de Laurente pelos prados; 
Pastores ambos, e ambos apartados 
De quem o mesmo Amor não se apartava. 

Com verdadeiras lágrimas, Laurente, 
− Não sei − dizia − ó Ninfa delicada, 
Porque não morre já quem vive ausente, 

Pois a vida sem ti não presta nada. 
Responde Sílvio: − Amor não o consente, 
Que ofende as esperanças da tornada. 

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"
                 
           
                                                                                               

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