sábado, 15 de fevereiro de 2014

Rainer Maria Rilke, aspectos da sua biografia e alguns poemas

RAINER MARIA RILKE

Praga por Martin Froyda

  Poeta, romancista e ensaísta que explorava temas espirituais e místicos, equilibrado entre um romantismo melancólico e o modernismo. Modernista antes do tempo e romântico muito depois de já estar fora de moda, esse célebre escritor checo de língua alemã,  fez uma ponte sobre o abismo da literatura alemã entre o poeta lírico Heinrich Heine e os "ismos" da década de 1920.                                                                                                                                                 René Karl Wilhelm Johann Josef Maria Rilke - mais conhecido pelo pseudónimo de Rainer Maria Rilke - nasceu no dia 4 de Dezembro de 1875, na cidade de Praga, na antiga Checoslováquia. Sua mãe,  até ele completar cinco anos de idade, colocava nele as roupas de menina que pertenciam a sua irmã falecida. Quiçá tal facto pode ter influenciado de forma contundente sua obra literária e seu modo de vida. Entretanto, sua mãe também encorajou seu amor pela poesia, apresentando-lhe a obra do grande dramaturgo alemão Friedrich Schiller. Por toda a vida, Rilke estaria cercado de mulheres influentes e intrigantes. Contudo, nenhuma foi mais marcante que a romancista e psicanalista russa Lou-Andreas Salomé (1861-1937), misteriosa mulher, que coincidentemente também foi o grande "amor platónico" do renomadíssimo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900),  Salomé introduziu Rilke na colónia de artistas de Worpswede onde vivia a pintora Paula Modersohn-Becker, pioneira do expressionismo. Lá, ele conheceu aquele que viria a ser sua esposa, a artista Clara Westhoff, que por sua vez o apresentou ao seu professor, o escultor Auguste Rodin, para quem Rilke trabalhou como secretário a partir de 1902.                                                              Inspirado em Rodin, Rilke desenvolveu um novo tipo de poesia deliberadamente sugerido nas esculturas do artista. Eram os seus Dinggedichten" (Poemas-coisa), que condensavam observações objectivas em versos poderosos. Entre 1912 e 1922, desalojado pela Primeira Guerra Mundial, Rilke trabalhou na sua obra-prima, Elegias de Duíno. Durante um frenético período criativo de dois meses, ele completou as elegias e escreveu os belos Sonetos a Orfeu (obra publicada em 1922), no qual o poeta fala sobre a proximidade da morte. Após essas duas importantes sequências, a saúde de Rilke decaiu e ele passou os cinco anos seguintes viajando entre um sanatório em Territet, na Suíça, e Paris. Apesar do diagnóstico de leucemia, ele produziu um conjunto de poemas em francês com base nas meditações sobre a rosa que ele acreditava causar sua morte. Faleceu no dia 29 de Dezembro de 1926, na cidade de Montreux, na Suíça. 

Rose oh reiner wiederspruch, lust,
niemands schlaf zu sein
unter soviel lidern

Rosa, ó contradição pura, volúpia
de ser o sono de ninguém sob tantas
pálpebras.

(Palavras na sepultura de Rilke)

Além das obras apresentadas anteriormente, publicou outras belíssimas, tais como o romance O Caderno de Laurids Brigge (publicado em 1910), as obras poéticas Leben und Lieder Vida e Canções, em português - (publicada em 1894), Neue Gedichte Novos Poemas, em português - (publicada em 1907), Der Neuen Gedichte Anderer Teil A Outra Parte dos Novos Poemas, em português - (publicado em 1908) e na não-ficção publicou em 1934 Cartas a um Jovem Poeta, entre outras.

ALGUNS POEMAS























O torso arcaico de Apolo

Não conhecemos sua cabeça inaudita
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso brilha ainda como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado

Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.

De outro modo erguer-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros.
E não tremeria assim, como pele selvagem.

E nem explodiria para além de todas as fronteiras
Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: precisas mudar de vida.

(Tradução: Paulo Quintela)




- Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?
Eu sou o teu vaso - e se me quebro?
Eu sou tua água - e se apodreço?
Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.

Depois de mim não terás um lugar
Onde as palavras ardentes te saúdem.
Dos teus pés cansados cairão
As sandálias que sou.
Perderás tua ampla túnica.
Teu olhar que em minhas pálpebras,
Como num travesseiro,
Ardentemente recebo,
Virá me procurar por largo tempo
E se deitará, na hora do crepúsculo,
No duro chão de pedra.

Que farás tu, meu Deus? O medo me domina.

(Tradução: Paulo Plínio Abreu)



























A PANTERA

(No Jardin des Plantes, Paris)

De percorrer as grades o seu olhar cansou-se
e não retém mais nada lá no fundo,
como se a jaula de mil barras fosse
e além das barras não houvesse mundo.
O andar elástico dos passos fortes dentro
da ínfima espiral assim traçada
é uma dança da força em torno ao centro
de uma grande vontade atordoada.
Mas por vezes a cortina da pupila
ergue-se sem ruído – e uma imagem então
vai pelos membros em tensão tranquila
até desvanecer no coração.


Rainer Maria Rilke, in, Carrossel e outros poemas, org. e trad. de Vasco Graça Moura



















A Gazela

                            Gazella Dorcas

Mágico ser: onde encontrar quem colha
duas palavras numa rima igual
a essa que pulsa em ti como um sinal?
De tua fronte se erguem lira e folha

e tudo o que és se move em similar
canto de amor cujas palavras, quais
pétalas, vão caindo sobre o olhar
de quem fechou os olhos, sem ler mais,

para te ver: no alerta dos sentidos,
em cada perna os saltos reprimidos
sem disparar, enquanto só a fronte

a prumo, prestes, para: assim, na fonte,
a banhista que um frémito assustasse:
a chispa de água no voltear da face.

(Tradução: Augusto de Campos)


Gerrit van Honthorst, S. Sebastião, ca. 1623











































São Sebastião

Como alguém que jazesse, está de pé,
sustentado por sua grande fé.
Como mãe que amamenta, a tudo alheia,
grinalda que a si mesma se cerceia.

E as setas chegam: de espaço em espaço,
como se de seu corpo desferidas,
tremendo em suas pontas soltas de aço.
Mas ele ri, incólume, às feridas.

Num só passo a tristeza sobrevém
e em seus olhos desnudos se detém,
até que a neguem, como bagatela,
e como se poupassem com desdém
os destrutores de uma coisa bela.

(Tradução: Augusto de Campos)






























O Solitário
  
Não: uma torre se erguerá do fundo
do coração e eu estarei à borda:
onde não há mais nada, ainda acorda
o indizível, a dor, de novo o mundo.

Ainda uma coisa, só, no imenso mar
das coisas, e uma luz depois do escuro,
um rosto extremo do desejo obscuro
exilado em um nunca-apaziguar,

ainda um rosto de pedra, que só sente
a gravidade interna, de tão denso:
as distâncias que o extinguem lentamente
tornam seu júbilo ainda mais intenso.

(Tradução: Augusto de Campos)


Manuscrito da Primeira Elegia 






































A PRIMEIRA ELEGIA  (excerto)
Quem, se eu gritasse, me ouviria dentre as ordens
dos anjos? e mesmo que um me apertasse
de repente contra o coração: eu morreria da sua
existência mais forte. Pois o belo não é senão
o começo do terrível, que nós mal podemos ainda
suportar,
admiramo-lo tanto porque, impassível, desdenha
destruir-nos. Todo o anjo é terrível.
E assim eu me reprimo e engulo o chamamento
dum soluçar escuro. Ai! de quem poderíamos
nós então valer-nos? Nem de anjos, nem de homens,
e os bichos perspicazes repararam já
que nós não estamos muito confiados em casa
neste mundo explicado. Resta-nos talvez
qualquer árvore na encosta, que de novo a vejamos
diariamente; resta-nos a estrada de ontem
e a fidelidade amimada dum costume,
que gostou de estar connosco, e por isso ficou e se não
foi.
Oh! e a Noite, a Noite, quando o vento cheio de espaço
dos mundos
nos desgasta a face - , a quem não restaria ela, a
ansiada
a das desilusões suaves, que a cada coração solitário
espera penosa. É mais leve aos amantes?
Ai! eles apenas se tapam um com o outro a sua sorte.
Pois não o sabes ainda? Arroja dos braços o vácuo
para os espaços que respiramos; talvez as aves
sintam o ar alargado com um voo mais íntimo.

Sim, as primaveras precisavam de ti. Muitas estrelas
esperavam de ti que as sentisses. Levantava-se
uma onda no passado e aproximava-se, ou,
ao passares pela janela aberta,
um violino entregava-se. Tudo isto era missão.
Mas cumpriste-a tu? Não estavas tu sempre
distraído ainda de expectativa, como se tudo te anun-
ciasse
uma Amada? (Onde queres tu abrigá-la,
se os grandes pensamentos estranhos em ti
entram e saem e muitas vezes pernoitam.)
Se, porém, a saudade te assalta, canta as Amantes;
longe
ainda de ser imortal bastante o seu sentimento célebre.
Canta aquelas - quase as invejas! - abandonadas
que tu
achavas tanto mais amorosas que as satisfeitas. Reco-
meça
sempre de novo o inacessível louvor;
pensa: o herói dura, mesmo a queda lhe foi
só um pretexto para ser: seu supremo nascer.
Mas as amantes recolhe-as a Natureza cansada
de novo em si, como se não houvesse duas vezes as
forças
para cumprir tal obra.


Para mais e detalhadas informações sobre Rilke e sobre aspectos da sua obra, ver escritos de João Barrento, no seguinte  http://www.revista.agulha.nom.br/ag33rilke.htm

















































































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