sábado, 1 de dezembro de 2012

Seferis


Uma palavra sobre o verão

(Giorgios Seferis, poeta grego, Nobel 1963)
 

Eis que voltou o outono. O verão
Como um caderno em que cansamos de escrever, lá fica
Cheio de riscos e garatujas,
De pontos de interrogação nas margens. Eis que voltou
A estação dos olhos que miram
Nos espelhos, sob as lâmpadas,
Lábios cerrados, homens estrangeiros
Nos quartos, nas ruas, sob as pimenteiras,
Enquanto os faróis dos carros matam
Milhares de máscaras macilentas.
Eis-nos de volta. Partimos para cada vez voltar
Na solidão, um punhado de terra em nossas mãos vazias.
E não obstante, amei outrora o bulevar Syngros,
A dupla curvatura da grande avenida
Que milagrosamente nos leva para o mar
Eterno a fim de que nos lavemos dos pecados.
Amei homens desconhecidos
Encontrados bruscamente ao cair do dia
Que falavam consigo mesmos como capitães de uma frota afundada,
Sinais de que o mundo é vasto.
E não obstante, amei as ruas daqui e estas colunas
Ainda que nascido na outra margem, junto
Das canas e dos juncos, das ilhas
Cuja areia guarda água para a sede
Do remador: ainda que nascido
Junto do mar que desenrolo e enrolo entre meus dedos,
Quando estou fatigado– não sei mais onde nasci.
Resta ainda a essência amarela, o verão
E tuas mãos roçando medusas na água,
Teus olhos abertos de repente, os primeiros
Olhos do mundo, e as grutas marinhas,
Pés desnudos no solo vermelho.
Resta ainda o efebo louro de pedra,o verão,
Um pouco de sal seco no oco de um rochedo,
Algumas agulhas de pinheiro após a chuva
Ruivas e dispersas como um filete em fiapos.
Não compreendo esses rostos, não os compreendo;
Imitam às vezes a morte e depois iluminam-se de novo
Com uma vida rasteira de vermes luzentes,
Com um esforço repuxado, sem esperança,
Como apertado entre duas rugas
Entre duas mesas de café gordurosas…
(…) Resta ainda o deserto amarelo, o verão,
Vagas de areia em fuga até o último círculo
Um ritmo de tambor lancinante, interminável
Olhos inflamados afundando no sol,
Mãos com ímpetos de pássaros riscando o céu
Saudando filas de mortos em duelos,
Perdidas num ponto que me ultrapassa e me governa,
Tuas mãos que tocam a onda livre.

(trad. Darcy Damasceno)

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