quarta-feira, 10 de abril de 2013

120 anos do nascimento de Almada Negreiros


 Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam! Não duro nem para metade da livraria! Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão… estou perdido.”

José de Almada Negreiros, A invenção do dia claro

 
  Na altura em que a cidade comemora os 120 anos, do nascimento de Almada Negreiros, ergo-me no topo da colina mais alta, para homenagear um dos meus metres, nesta viagem onde a palavra é sagrada.

“Sonhei com um país onde todos chegavam a Mestres. Começava cada qual por fazer a caneta e o aparo com que se punha á escuta do universo; em seguida, fabricava desde a materia prima o papel onde ia assentando as confidencias que recebia diretamente do universo; depois, descia até ao fundo dos rochedos por causa da tinta negra dos chócos; gravava letra por letra o tipo com que compunha as suas palavras; e arrancava da arvore a prensa onde apertava com segurança as descobertas para irem ter com os outros. Era assim que neste país todos chegavam a Mestres. Era assim que os Mestres iam escrevendo as frases que hão-de salvar a humanidade.”


Fernando Pessoa por Almada Negreiros

José de Almada Negreiros

(07-04-1893 , São Tomé - 15-06-1970 , Lisboa)

José de Almada Negreiros estreia-se como desenhador humorista em 1911, participando, em 1912 e 1913, nos I e II Salões dos Humoristas Portugueses. Em 1913 realiza os seus primeiros óleos, para a Alfaiataria Cunha, e a sua primeira exposição individual, na Escola Internacional de Lisboa. Em Março de 1914 publica o seu primeiro poema. Em 1915, colabora no primeiro número da revista literária Orpheu e ilustra o número espécimen da revista Contemporânea. Neste mesmo ano chega a Portugal o casal Robert e Sonia Delaunay, com quem manterá um estreito contacto. Procurando, entre os movimentos de vanguarda europeus, o rumo da sua individualidade artística e literária, digna da «pátria portuguesa do século XX» (tal como a descreve no Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, 1917), Almada escreve A Cena do Ódio (1915), o Manifesto Anti-Dantas e Litoral (ambos de 1916), A Engomadeira e K4 O Quadrado Azul(publicados em 1917). Realiza a sua segunda exposição individual na Galeria das Artes de José Pacheco, em Setembro de 1916, longe já do humorismo dos Salões. O rótulo futurista que, em 1917 - ano da 1.ª Conferência Futurista e de Portugal Futurista -, assume com Santa Rita Pintor, é adoptado provocatoriamente como estandarte da modernidade e da luta contra o passadismo.

  As representações lisboetas dos Ballets Russes, em 1917 e 1918, marcam-no profundamente, animando sob a sua influência uma série de bailados representados por amadores e por crianças, em particular pelas jovens Lalá, Tareca, Zeca e Tatão (que formam, com Almada, o «Club das Cinco Cores»). A poética da ingenuidade almadiana, intimamente relacionada com este grupo, será desenvolvida em Paris, cidade onde vive relativamente isolado entre 1919 e 1920, prosseguindo a sua aprendizagem fora das academias livres e dos ateliers e contactando apenas de passagem com os artistas de vanguarda. De regresso a Lisboa, realiza a sua terceira exposição individual no Teatro de S. Carlos, apresentando desenhos feitos em Paris. Anuncia, no âmbito desta exposição, A Invenção Do Dia Claro (publicado em 1921), manifesto poético da ingenuidade. Durante os anos vinte publica Pierrot e Arlequim (1924) e começa a escrever Nome de Guerra (1925); colabora nas revistas Contemporânea, Athena, e Presença, no Diário de Lisboa, e no Sempre Fixe; participa na Exposição dos Cinco Independentes (1923), e nos I e II Salões de Outono (1925 e 1926); pinta Auto-Retrato Num Grupo e Banhistas, para a Brasileira do Chiado (1925), e um Nu Feminino, para o Bristol Club (1926); integra o grupo de artistas «novos» que José Pacheco tenta, em vão, fazer entrar na Sociedade Nacional de Belas Artes; e constata que «é viver o que é impossível em Portugal» (Modernismo, 1926).

 Parte, então, para Madrid (1927-1932), onde participa activamente na cena artística e literária, convivendo e colaborando com os artistas, arquitectos e escritores mais representativos da modernidade espanhola. De regresso a Lisboa, realiza a conferência Direcção Única, defendendo a unidade entre indivíduo e colectividade, «esses dois valores iguais, recíprocos,  que dependem um do outro e que isoladamente se suicidam por suas próprias mãos».   Relação difícil mas que Almada vê esperançado, em Março de 1935, no âmbito da I Exposição Oficial de Arte Moderna, uma iniciativa de António Ferro, figura próxima da geração de Orpheu e director do recém-criado SPN: «Ser artista é um resultado directo da humanidade e da sociedade; é um lugar legítimo de determinadas individualidades», «aos poderes públicos compete-lhes tão somente não ignorar e reconhecer os determinados valores que a humanidade e a sociedade lhes indicam», «é com grande respeito que vejo, pela primeira vez na minha terra, os poderes públicos ao lado da arte mais nova de Portugal».

  Com uma «personalidade» artística já definida e alguma estabilidade emocional (graças ao casamento com a pintora Sarah Affonso em Março de 1934) e financeira (devido às encomendas públicas que começa a receber), Almada prossegue sozinho o caminho aberto com os seus antigos camaradas, rumo à consagração.      Como escritor, com a publicação de Nome de Guerra, em 1938, que inaugura a Colecção de «Autores Modernos Portugueses» (dirigida por João Gaspar Simões, Edições Europa). Como pintor, premiado em 1942 (Prémio Columbano), em 1946 (Prémio Domingos Sequeira), em 1957 (Fundação Calouste Gulbenkian), e em 1966 (Prémio Diário de Notícias), e autor das decorações a fresco para as Gares Marítimas de Alcântara (1943-1945) e da Rocha do Conde de Óbidos (1946-1949), e dos Retratos de Fernando Pessoa para o Restaurante Irmãos Unidos (1954) e para a Fundação Calouste Gulbenkian (1964). Enquanto teórico de arte, com os ensaios Ver (1943), Mito – Alegoria – Símbolo (1948), e A Chave Diz: Faltam Duas Tábuas e Meia no Todo da Obra de Nuno Gonçalves (1950), textos que teorizam a incessante busca do cânone, fundamento da criação universal, que explora na série de quatro óleos abstracto-geométricos apresentados na I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1957), e sintetiza no painel Começar (1968-1969), realizado para a entrada da mesma Fundação.



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