Pitões das Júnias, situada na zona intermédia do Gerês e do Barroso, é uma pequena aldeia comunitária onde se sente que o tempo corre mais devagar. As suas gentes vivem em harmonia com a natureza, tirando dela todo o seu sustento. Com as suas casas sempre abertas para quem chega, aceitam de bom grado o bom e o mau que a natureza lhes oferece. Das terras bem tratadas retiram o centeio, da pastorícia o restante. O forno comunitário coze para toda a aldeia as grandes broas do centeio extraído das terras circundantes. As casas de granito desenvolveram-se de forma orgânica, adaptando-se às condições naturais do terreno. As ruas, estreitas e sinuosas, estão marcadas pelo vai e vem diário do gado bovino.
Para se desfrutar de uma vista geral do mosteiro é necessário subir as encostas das serras que ficam de um lado e do outro da ribeira Campesinho. Subindo a encosta da serra a nascente, vê-se a fachada posterior da igreja, com o muro do cemitério à direita e, à esquerda, a ala dos monges, que se desenvolve ao longo da ribeira. Ao subir a encosta poente tem-se uma vista panorâmica que permite ver a fachada principal da igreja, a fachada Sul, o claustro e todo o complexo monástico.
A gramática ornamental do portal
A gramática ornamental do portal enquadra-se no românico tardio da região norte do país. São muitos os exemplos onde encontramos os temas representados em Santa Maria das Júnias: no entanto não há nenhum edifício que se possa equiparar a esta singular igreja, pelo equilíbrio e sobriedade que apresenta. Se nos centrarmos apenas na sua gramática ornamental, são muitos os exemplos que podemos citar. De facto, os motivos cordiformes, as fitas dobradas e as pontas de lança, são elementos recorrentes do nosso românico. Podemos encontrá-los nas Igrejas de Manhente (Concelho de Barcelos), Ferreira (Concelho de Paços de Ferreira), Arnoso (Concelho de Vila Nova de Famalicão), entre outras, só para citar os casos em que estes elementos se combinam no portal. No entanto, qualquer dos portais citados é, não só mais perspectivado, como apresenta também colunas, o que em Santa Maria das Júnias não acontece.
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Igreja de Santa Maria de Pitões das Júnias |
Se atendermos às características do tímpano, podemos citar vários exemplos onde os tímpanos apresentam uma cruz vazada: Igreja de Unhão (Felgueiras), São Pedro das Águias(Tabuaço), Arnoso (Famalicão), Sé de Braga (porta do sol), todos eles próximos entre si, mas mais uma vez distantes do que acontece em Santa Maria das Júnias. Qualquer destes tímpanos, embora vazados, apresentam cruzes muito trabalhadas, geralmente ladeadas por motivos enlaçados ou por animais afrontados. O que mais se aproxima de Santa Maria das Júnias é o tímpano da porta Sul da Igreja de Arnoso (sendo o do portal principal mais próximo dos anteriormente citados).
Pela sua contenção ornamental e pela ausência de profundidade, que se viria a acentuar progressivamente, como nos mostram os muitos exemplos do românico português, podemos ser levados a pensar que Pitões das Júnias remonta a uma época mais recuada, em especial se tivermos em consideração as informações da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que nos dão conta da existência de dois documentos no Tombo do Mosteiro de Celanova, referentes a Santa Maria das Júnias e datados de 953 e 1100.
O tímpano de Santa Maria das Júnias, claramente uma representação da abóbada celeste, é passível de muitas leituras. Se olharmos para o tímpano com um olhar menos codificado, mais inocente, até pelo confronto com a decoração do lintel, a primeira leitura que se faz, não é a cruz branca de pedra, mas o espaço negativo que o vazado deixou; um jogo geométrico que remete para uma temática vegetalista. No interior escuro da igreja esta leitura é ainda mais acentuada; no lugar da cruz surge uma estrela que guia e o tímpano transforma-se numa abobada estrelada. No portal de Santa Maria de Júnias esta leitura assume um significado ainda maior, uma vez que estão representadas sete estrelas. O número sete presta-se a muitas leituras: os sete dias da criação, o tempo presente que se desenvolve em ciclos de sete dias, mas também as sete igrejas do apocalipse, simbolizadas por sete candelabros e por sete estrelas. Sem esquecer que a construção geométrica da cruz, é feita a partir da intersecção de sete circunferências. Se é verdade que, durante o dia, no escuro do interior da igreja, a luz que entra pelos vazados nos mostra um céu estrelado, a inversa também será verdadeira. Durante a noite, naquele vale isolado, estando a igreja iluminada, projecta para o exterior a mesma imagem, que durante o dia se tem no seu interior. Se pensarmos, que Santa Maria das Júnias ficava num dos caminhos de Santiago e que uma das suas funções era o albergue de peregrinos, estes tímpanos vazados ganham ainda uma importância maior, funcionando como verdadeiras estrelas que conduzem os peregrinos. Sabendo que as frestas, pelo menos a do alçado principal, só foram acrescentadas no século XVI, os únicos pontos de luz, com excepção da cabeceira, eram as aberturas dos tímpanos.
Fazendo o esforço por me colocar numa perspectiva diferente, procurando uma leitura comparada deste tímpano com os exemplos do românico anteriormente citados, poderia aceitar como válida a possibilidade de ter sido exactamente esta dificuldade de legibilidade que levou os cantoneiros a acentuar a decoração dos tímpanos. No entanto, essa perspectiva colocaria a execução do portal de Santa Maria das Júnias num contexto em que eu não o enquadro. A lógica construtiva pela qual o edifício é regido, a forma como se estrutura e os significados que carrega, não comportam, em meu entender, uma intenção falhada. Também não vejo neste portal, “um reflexo dos escassos meios económicos disponíveis e de uma certa ingenuidade do artista responsável pela obra”, como entendeu Mário Barroca. Pelo contrário, vejo uma opção estética racionalmente construída com motivos que remontam ao visigótico.
A gramática ornamental do portal enquadra-se no românico tardio da região norte do país. São muitos os exemplos onde encontramos os temas representados em Santa Maria das Júnias: no entanto não há nenhum edifício que se possa equiparar a esta singular igreja, pelo equilíbrio e sobriedade que apresenta. Se nos centrarmos apenas na sua gramática ornamental, são muitos os exemplos que podemos citar. De facto, os motivos cordiformes, as fitas dobradas e as pontas de lança, são elementos recorrentes do nosso românico. Podemos encontrá-los nas Igrejas de Manhente (Concelho de Barcelos), Ferreira (Concelho de Paços de Ferreira), Arnoso (Concelho de Vila Nova de Famalicão), entre outras, só para citar os casos em que estes elementos se combinam no portal. No entanto, qualquer dos portais citados é, não só mais perspectivado, como apresenta também colunas, o que em Santa Maria das Júnias não acontece.
Se atendermos às características do tímpano, podemos citar vários exemplos onde os tímpanos apresentam uma cruz vazada: Igreja de Unhão (Felgueiras), São Pedro das Águias(Tabuaço), Arnoso (Famalicão), Sé de Braga (porta do sol), todos eles próximos entre si, mas mais uma vez distantes do que acontece em Santa Maria das Júnias. Qualquer destes tímpanos, embora vazados, apresentam cruzes muito trabalhadas, geralmente ladeadas por motivos enlaçados ou por animais afrontados. O que mais se aproxima de Santa Maria das Júnias é o tímpano da porta Sul da Igreja de Arnoso (sendo o do portal principal mais próximo dos anteriormente citados).
Pela sua contenção ornamental e pela ausência de profundidade, que se viria a acentuar progressivamente, como nos mostram os muitos exemplos do românico português, podemos ser levados a pensar que Pitões das Júnias remonta a uma época mais recuada, em especial se tivermos em consideração as informações da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que nos dão conta da existência de dois documentos no Tombo do Mosteiro de Celanova, referentes a Santa Maria das Júnias e datados de 953 e 1100.
O tímpano de Santa Maria das Júnias, claramente uma representação da abóbada celeste, é passível de muitas leituras. Se olharmos para o tímpano com um olhar menos codificado, mais inocente, até pelo confronto com a decoração do lintel, a primeira leitura que se faz, não é a cruz branca de pedra, mas o espaço negativo que o vazado deixou; um jogo geométrico que remete para uma temática vegetalista. No interior escuro da igreja esta leitura é ainda mais acentuada; no lugar da cruz surge uma estrela que guia e o tímpano transforma-se numa abobada estrelada. No portal de Santa Maria de Júnias esta leitura assume um significado ainda maior, uma vez que estão representadas sete estrelas. O número sete presta-se a muitas leituras: os sete dias da criação, o tempo presente que se desenvolve em ciclos de sete dias, mas também as sete igrejas do apocalipse, simbolizadas por sete candelabros e por sete estrelas. Sem esquecer que a construção geométrica da cruz, é feita a partir da intersecção de sete circunferências. Se é verdade que, durante o dia, no escuro do interior da igreja, a luz que entra pelos vazados nos mostra um céu estrelado, a inversa também será verdadeira. Durante a noite, naquele vale isolado, estando a igreja iluminada, projecta para o exterior a mesma imagem, que durante o dia se tem no seu interior. Se pensarmos, que Santa Maria das Júnias ficava num dos caminhos de Santiago e que uma das suas funções era o albergue de peregrinos, estes tímpanos vazados ganham ainda uma importância maior, funcionando como verdadeiras estrelas que conduzem os peregrinos. Sabendo que as frestas, pelo menos a do alçado principal, só foram acrescentadas no século XVI, os únicos pontos de luz, com excepção da cabeceira, eram as aberturas dos tímpanos.
Fazendo o esforço por me colocar numa perspectiva diferente, procurando uma leitura comparada deste tímpano com os exemplos do românico anteriormente citados, poderia aceitar como válida a possibilidade de ter sido exactamente esta dificuldade de legibilidade que levou os cantoneiros a acentuar a decoração dos tímpanos. No entanto, essa perspectiva colocaria a execução do portal de Santa Maria das Júnias num contexto em que eu não o enquadro. A lógica construtiva pela qual o edifício é regido, a forma como se estrutura e os significados que carrega, não comportam, em meu entender, uma intenção falhada. Também não vejo neste portal, “um reflexo dos escassos meios económicos disponíveis e de uma certa ingenuidade do artista responsável pela obra”, como entendeu Mário Barroca. Pelo contrário, vejo uma opção estética racionalmente construída com motivos que remontam ao visigótico.
Excerto de um texto e de imagens de Delmira Espada em "Medievalista"